Manifesto da poesia Pau-Brasil

 Osvaldo de Andrade

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.

O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.

A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.

Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.

A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, critica, donas de casa tratando de cozinha.

A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.

Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.

Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia.

A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.

Uma sugestão de Blaise Cendrars : – Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.

Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.

Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.

Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.

Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho… Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado – o artista fotógrafo.

Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski.

A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.

Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano.

Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1º) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy até agora. 2º) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva.

O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.

Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos.

A síntese

O equilíbrio

O acabamento de carrosserie

A invenção

A surpresa

Uma nova perspectiva

Uma nova escala.

Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil

O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa.

Uma nova perspectiva.

A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua.

Uma nova escala:

A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianças nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails.

Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte.

A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de idéias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura eloquente, um pavor sem sentido.

Nossa época anuncia a volta ao sentido puro.

Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz.

A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.

Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de “dorme nenê que o bicho vem pegá” e de equações.

Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas; nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.

Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil.

O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional.

Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época.

O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode ser uma atitude do espírito.

O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.

A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.

Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil

 

Fonte: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/manifesto_pau_brasil

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Quarto de despejo e a norma culta

Thaís de Godoy

Abaixo há um trecho do diário de Carolina Maria de Jesus, moradora da favela do Canindé, em São Paulo, catadora de lixo e mãe de três filhos. Suas palavras foram transcritas letra por letra, desconsiderando o fato de que ela escreve fora da norma culta e no ano de 1955, antes da Reforma Ortográfica.

Observe como era difícil para ela enfrentar os julgamentos que recebia devido à linguagem usada em seu diário: para os vizinhos, ela era culta, simplesmente por saber escrever e usar palavras desconhecidas; para os eruditos, uma semi-analfabeta, por não usar a norma padrão.

Alguns criticam seus leitores porque creditam o sucesso de vendas nacional e internacional de sua obra (talvez o maior best-seller da literatura nacional) a uma espécie de curiosidade mórbida sobre a realidade “exótica” da vida cotidiana em uma favela, como a atenção que um circo de horrores inimagináveis despertaria na classe média alfabetizada. A fim de preservar melhor esse efeito, o texto original deveria ser mantido.

Também para servir de objeto de estudos linguísticos, melhor seria manter sua ortografia e estrutura estropiada mesmo. Os fenômenos da língua inculta e não tão bela seriam, então, dissecados e classificados para deleite dos tarados pela taxonomia.

Outros ainda defendiam que deveria ser mantido o texto original por uma espécie de condescendência culpada de elite por não fornecer os recursos das quais uma mulher, chefe de família, precisa dispor para escrever melhor, tais como uma vida digna e escolas de qualidade. Vamos dar voz aos descamisados, vamos deixar que falem do seu jeito, que se expressem como sempre, vamos publicá-los assim mesmo. Pelo mesmo motivo e outros mais, alguns defendiam que o texto original deveria ser corrigido, seguindo os padrões da norma culta, completando sua obra inadequada e imperfeita. Vamos domesticá-la, talvez tenham dito os mais mordazes e conservadores do idioma.

Então, professores de gramática (como eu) sentiriam cócegas de canetar tudo imediatamente com círculos e acentos de cor vermelha numa compulsão obsessiva. Os historiadores criticariam a falsidade, o anacronismo ao se tentar corrigir um documento importante, e a amputação da possibilidade de corrigir nossos erros sem a preservação da memória.

Tive uma conversa interessante com a Profª Maria Vilani Gomes (mãe do rapper Criolo) na qual ela defendeu as correções de acordo com a norma culta para maior divulgação e aceitação (nas escolas principalmente) de textos de jovens escritores que não tiveram acesso a um ensino de qualidade ou estão em processo de alfabetização. Outro argumento também é de que a manutenção do texto inculto poderia desestimular o jovem escritor em seu aprimoramento na aquisição de uma escrita mais elaborada, afinal os socialmente desprivilegiados, os jovens, todos nós temos sim a capacidade e o direito inalienável de nos apropriar desse patrimônio cultural que é a língua portuguesa culta.

São excelentes argumentos, contudo a questão relevante para os estetas é muito diferente das questões exclusivamente sociais classistas, linguísticas, didáticas ou mercadológicas. Para os estetas, a verdadeira e relevante questão, eliminada pelos outros saberes, é a qualidade literária intrínseca do Diário de uma favelada. Ela existe? Claro que sim. A qualidade literária, as reflexões e emoções estéticas que ela desperta no leitor dependem ou não da forma como Carolina Maria de Jesus se expressa? É possível separar forma, conteúdo, expressividade, subjetividade, afetividade, gramaticalidade, sociedade etc.? O efeito da leitura sobre nós não depende justamente das “escolhas” daqueles vocábulos errados feitas pela autora? Tentar separar esses elementos não seria decepar elementos essenciais da obra?

“Tábua de tiro ao alvo”, por exemplo, jamais terá o mesmo efeito emocional no nosso inconsciente coletivo, a mesma expressividade que “tauba de tiro ao alvaro”. O que há aqui, não é mera condescendência classista pelos pobres, romantização da pobreza pitoresca, ou culto do bizarro, mas sim uma identificação com a cultura popular, e um sentimento de irmandade entre os brasileiros de qualquer classe, (excetuando para os esnobes, afetados e eurocêntricos, é claro): a mistura de esculacho, comicidade e afetividade, uma tristeza alegre por sermos capazes de criar usando toda a nossa precariedade.

Deleitem-se com estas preciosidades:

20 de julho de 1955

Carolina Maria de Jesus

Deixei o leito as 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou despontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. (…) Fui no Arnaldo buscar o leite e o pão. Quando retornava encontrei o senhor Ismael com uma faca de 30 centimetros mais ou menos. Disse-me que estava a espera do Binidito e do Miguel para matá-los, que êles lhe expancaram quando êle estava embriagado.
Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro do alcool, disisti. Sei que os ébrios não atende. O senhor Ismael quando não está alcoolizado demonstra sua sapiencia. Já foi telegrafista. E do Circulo Exoterico. Tem conhecimentos bíblicos, gosta de dar conselhos. Mas não tem valor. Deixou o alcool lhe dominar, embora seus conselho seja util para os que gostam de levar vida decente.

Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha de trigo torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia.
Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.

Terminaram a refeição. Lavei os utensílios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homem em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possivel. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.

… Durante o dia, os jovens de 15 e 18 anos sentam na grama e falam de roubo. E já tentaram assaltar o empório do senhor Raymundo Guello. E um ficou carimbado com uma bala. O assalto teve inicio as 4 horas. Quando o dia clareou as crianças catava dinheiro na rua e no capinzal. Teve criança que catou vinte cruzeiros em moeda. E sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz foi severo. Castigou impiedosamente.

Fui no rio lavar as roupas e encontrei D. Mariana. Uma mulher agradavel e decente. Tem 9 filhos e um lar modelo. Ela e o espôso tratam-se com iducação. Visam apenas viver em paz. E criar filhos. Ela tambem ia lavar roupas. Ela disse-me que o Binidito da D. Geralda todos os dias ia prêso. Que a Radio Patrulha cançou de vir buscá-lo. Arranjou serviço para êle na cadêia. Achei graça. Dei risada!… Estendi as roupas rapidamente e fui catar papel. Que suplicio catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o pêso do saco na cabeça e suporto o pêso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.

Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Êles não tem ninguem no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.

Aqui, todas impricam comigo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os homens. (…) Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.

 

Antigas Raízes

Deixarei minhas palavras soltas
fugirem leves entre flocos de algodão,
cruzando o triste
limite dos sonhos,
enfeitarei o horizonte com balões coloridos
não esquecendo as cores mais sórdidas
por serem as mais tristes,
beberei uma água cristalina
roubada da nascente vazia das palavras
transportarei troncos
antigas raízes de arvores
por entre as correntezas se despojando do infinito,
procurarei saber se o gosto visual
da flor é capaz de me enlouquecer
diante do tempo,
olharei para o dentro dos mapas
e meu roteiro
será sempre o desespero
uma eterna viagem feita de desconhecido
e recoberto de palavras ansiosas,
aprenderei com os poetas
ler o que fica escondida no crepúsculo
depois deixarei
o sol fugir da minha pele
de minha noite
para iluminar o mundo
com palavras viajantes !

carlos bueno guedes

Prece à boca da minha alma

Prece à boca da minha alma

Nauro Machado

Não te transformes em bicho,
ó forma incorpórea minha,
só porque animal capricho
perdeu o humano que eu tinha.

Guarda, do animal, o alheio
esquecimento. E somente.
Mas lembra aquele outro seio
que te nutriu a boca e a mente.

E recorda, sobretudo,
que não babas ou engatinhas,
a não ser quando te escuto
pelos becos, dentre as vinhas.

Vive como um homem morre:
em solidão e na esperança.
guardando a fé que socorre
em mim, semivelho, a criança.

Mas não te tornes em bicho,
nem percas o ser humano,
só porque a tara (ou o capricho)
deu-me este existir insano.

De Do Eterno Indeferido (1971)

Carta do Refugiado às Nações

Carta do Refugiado às Nações

Moisés António

Sou um ser e não uma coisa
Ainda que eu fosse uma coisa,                  
não seria a de sem valor!

Sou movido a deixar a minha terra
Aquela terra de origem pátria amada,
que um dia me viu nascer,
me viu crescer,
me viu sorrir,
Sorrir para a vida, 
– Vida, o grandioso presente de Deus para as nações!

Hoje…
estou aqui
amanhã acolá,
Sou um barco movido a vela
forçado pela força do vento, pra chegar ao destino!

Outra hora…
Sou uma andorinha,
movido pela estação a procura de melhores condições de vida!
E p’ra me moverem, 
São vocês que praticam as guerras
Fazendo prevalecer o ditado: 
NA LUTA DE 2 ELEFANTES, 
QUEM PAGA COM AS VIDAS, SÃO AS GRAMAS OU O CAPIM!

São nossas vidas jogadas ao nada,
Somos barrados nas fronteiras…
como se tivêssemos cometidos crimes!
Uns cometem, pagamos nós!
Matam-nos,
Hostilizam-nos, 
Mortos, jogam-nos como lixo feito nada
Tudo porque, um diz quem manda aqui sou eu,
E outro do outro lado responde, a terra é minha!
E tudo resulta em uma colisão, e quem morre sou eu!
OH CREDO, A TERRA É DE DEUS!!!

Hoje…
Venho aqui, porque não tenho terra!
Amanhã vou ali também não tenho terra!
Tudo é terra!

O Nativo diz:
Não tens aqui o direito,
Tu que me vens tirar o trabalho…
então sou submetido ao trabalho escravo, 
porque quero viver a vida!

Ó Céus!
Oh, credo!
Só quero viver a vida
Quero liberdade
Busco a justiça
Quero também pelo menos uma única oportunidade
Para que eu sobreviva e mitigue a minha sede!
Tenho fome, quero roupa, quero abrigo,
Só quero viver a vida!

Repito: NÃO TENHO TERRA, TUDO É TERRA!
Tenho uma vida
Que também merece ser vivida
Um presente de Deus eterno para todas as nações!

Sou um barco à vela
À busca de um destino
Por favor, me respeitem, só quero viver a vida!

Insônia

Insónia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos…
Tantos versos…
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê…

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto… Vem…
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta…
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada…
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa

O rosto de uma mulher

Adonis

Eu morava no rosto de uma mulher

que mora numa onda.

A maré cheia trouxe-a até à praia

cujo porto desapareceu nas suas conchas .

Eu morava no rosto de uma mulher

que me assassinou, que no meu sangue de navegador

até ao fim da loucura amorosa

quer ser um farol, que se apaga.

Poemas de Safo de Lesbos
Safo de Gabriel Rossetti

Universo espelhado

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Mais estranho que a ficção 

Novas experiências revelam indícios de um mundo e uma realidade que são reflexos completos dos nossos. Este universo espelhado pode ser capaz de resolver o mistério da matéria escura do universo.

A física Leah Broussard está “em busca de um universo que seja idêntico ao nosso, mas invertido de modo a conter átomos espelhados, moléculas espelhadas, estrelas e planetas espelhados e até mesmo a vida espelhada”, segundo um fascinante artigo na New Scientist dos trabalhos de Broussard.

“Se existir, formaria uma bolha de realidade aninhada no tecido do espaço e do tempo ao lado de nosso próprio universo familiar, com algumas partículas capazes de alternar entre os dois.”

De maneira tentadora, a teoria poderia explicar a matéria escura — a substância não observada aqui que, baseada em observações de efeitos gravitacionais, os cientistas acreditam que é responsável por grande parte do universo.

A ideia — reforçada, acredita Broussard, por experimentos com nêutrons — é que algumas partículas podem ser capazes de passar de um lado para o outro entre o nosso universo e o espelhado.

Matéria completa no link:   https://socientifica.com.br/2019/06/08/universo-espelhado/

Nosso grande medo

Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Nos perguntamos: “Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?” Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?…Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo.

Marianne Williamson

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Destaque

Sonhos abortados

mais um Corpo ou só a fração de um Corpo
dividido, subdividido
uma perna
um tronco
um pes
co
ço.
Só um Corpo.

não maria, não josé
não um idoso
não um moço
um es
bo
ço.
O esTrondo meDonho de uma Onda de Lodo.
Só mais um Corpo.

não aquele boi morto,
boi morto
boi
que rola entre os escombros.
Mais um Corpo Só.

não um só corpo!
Só um Corpo sem passAdo sem futUro sem o sOpro
O abOrto de um sOnho
de
com
posto
pelos Engodos do Vale do Choro.

Só Matéria nos cômputos brutos dos Diários xucros.

Godoy

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O abismo

Friedrich Nietzsche:

Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Pois quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também olha para você.”