O Cortiço

Português: O escritor brasileiro Aluísio Azeve...
Português: O escritor brasileiro Aluísio Azevedo (1857-1913) (Photo credit: Wikipedia)

Trecho em que Pombinha é seduzida por Leoni:

Bem! Agora estavam perfeitamente a sós!

– Vem cá, minha flor!… disse-lhe, puxando-a contra si e deixando-se cair sobre um divã. Sabes? Eu te quero cada vez mais!… Estou louca por ti!
E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo-a de espanto e de um instintivo temor, cuja origem a pobrezinha, na sua simplicidade, não podia saber qual era.
A cocote percebeu o seu enleio e ergueu-se, sem largar-lhe a mão.
– Descansemos nós também um pouco… propôs, arrastando-a para a alcova.
Pombinha assentou-se, constrangida, no rebordo da cama e, toda perplexa, com vontade de afastar-se, mas sem ânimo de protestar, por acanhamento, tentou reatar o fio da conversa, que elas sustentavam um pouco antes, à mesa, em presença de Dona Isabel. Léonie fingia prestar-lhe atenção e nada mais fazia do que afagar-lhe a cintura, as coxas e o colo. Depois, como que distraidamente, começou a desabotoar-lhe o corpinho do vestido.
– Não! Para quê!… Não quero despir-me…
– Mas faz tanto calor… Põe-te a gosto…
– Estou bem assim. Não quero!
– Que tolice a tua…! Não vês que sou mulher, tolinha?… De que tens medo?… Olha! Vou dar exemplo!
E, num relance, desfez-se da roupa, e prosseguiu na campanha.
A menina, vendo-se descomposta, cruzou os braços sobre o seio, vermelha de pudor.
– Deixa! segredou-lhe a outra, com os olhos envesgados, a pupila trêmula.
E, apesar dos protestos, das súplicas e até das lágrimas da infeliz, arrancou-lhe a última vestimenta, e precipitou-se contra ela, a beijar-lhe todo o corpo, a empolgar-lhe com os lábios o róseo bico do peito.
– Oh! Oh! Deixa disso! Deixa disso! reclamava Pombinha estorcendo-se em cócegas, e deixando ver preciosidades de nudez fresca e virginal, que enlouqueciam a prostituta.
– Que mal faz?… Estamos brincando…
– Não! Não! balbuciou a vítima, repelindo-a.
– Sim! Sim! insistiu Léonie, fechando-a entre os braços, como entre duas colunas; e pondo em contato com o dela todo o seu corpo nu.
Pombinha arfava, relutando; mas o atrito daquelas duas grossas pomas
irrequietas sobre seu mesquinho peito de donzela impúbere e o rogar vertiginoso daqueles cabelos ásperos e crespos nas estações mais sensitivas da sua feminilidade, acabaram por foguear-lhe a pólvora do sangue, desertando-lhe a razão ao rebate dos sentidos.
Agora, espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações de espasmo; ao passo que a outra, por cima, doida de luxúria, irracional, feroz, revoluteava, em corcovos de égua, bufando e relinchando.
E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados. Até que, com um assomo mais forte, devorou-a num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos, curtos, muito agudos, e afinal desabou para o lado, exânime, inerte, os membros atirados num abandono de bêbedo, soltando de instante a instante um soluço estrangulado.” Aluísio Azevedo

 

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Um comentário sobre “O Cortiço

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