Se não chover nem ventar,
se a lua e o sol forem limpos
e houver festa pelo mar,
- ir-te-ei visitar.
Se o chão se cobrir de flor,
e o endereço estiver claro,
e o mundo livre de dor,
- ir-te-ei ver, amor.
Se o tempo não tiver fim,
se a terra e o céu se encontrarem
à porta do teu jardim
- espera por mim.
Cantarei minha canção
com violas de eternamente
que são de alma e em alma estão.
- De outro modo, não.
Cecília Meireles
Categoria: Poema
Apenas palavras
As palavras são nada.
Em si, carecem de sentidos, se os gestos não as acompanharem.
Assim calar é louvável a alguns algures.
Imprudência confiar nas palavras, já que quem mente mergulha a todos em fantasia?
Sonha que a todos ludibria?
Para si, ciladas cria?
Mas não ilude plenamente: há uma gota de verdade em cada mentira.
Há um dizer exato em cada silêncio!
A palavra não poderá ser sempre friamente refreada,
Porque liberta quem a profere de sentimentos inconfessáveis.
As palavras libertam os tímidos de si mesmos,
desconfiados de revelar seu ser ao universo.
Libertam um povo da opressão.
Libertam seres de sua invisibilidade.
Libertam ao revelar a descoberta e afirmação de si, a si mesmo e à humanidade.
No Polo Norte, quantos tons de branco conhecem os esquimós?
Para cada branco, uma palavra.
Para nós, só há um branco e mais nada…
Para cada coisa que há e sabemos que há, há uma palavra.
A tudo que nasce, damos um nome.
Para quem nunca viu tantos tons de brancos, se ouvir seus nomes diferentes, nem precisa se mudar para lá.
A enxergá-los, em algum momento, passará.
Assim os nomes nascem das coisas, mas o saber também nasce das palavras.
O que pensamos que é sabido de todos, mas nunca foi divulgado verbalmente, pode também deixar de haver e ser esquecido, na próxima temporada.
Se o amor verdadeiro está implícito em ações que demonstram sentimentos,
Também provas perdem seu sentido no automatismo dos gestos rotineiros.
Então, o cinismo contemporâneo nos acanha
com demonstrações de afeto e acaba por enregelar a todos de todo.
Você não pode mais me ouvir,
Então falo para mim mesma,
Para saber que sinto o que sinto,
Para lembrar e me aquecer
E me libertar do não-dizer:
“Não enxergamos os brancos dos esquimós nem temos nomes para eles…
Nunca pensei que talvez você não enxergasse em quantas cores era amado.
Hoje não cansaria de dizer de todas as formas possíveis,
Com quantas palavras existem: Persy, eu amo você!”
28-07-2012
Enem 2019
No Enem 2019:
–A terra será plana;
–O nazismo será de esquerda;
–Em 1964, não haverá Golpe Militar;
–A Ditadura Militar será uma democracia forte;
–A Matemática começará na Bíblia;
-O triângulo será uma quase reta;
–O aquecimento global será uma conspiração comunista;
–Os políticos serão Jesus Cristo;
–Lugar de criança será na fábrica e na lavoura;
–Será muito bom para brasileiros perder todos os direitos que adquiriram pagando muitos impostos;
–Agrotóxico será ótimo para a sua saúde;
–Os índios roubarão as terras dos brancos;
–Os africanos pularão nos navios para se tornarem escravos;
–Não existirão famélicos no Brasil.
Ozymândias de Percy Shelley
Trad. André Vallias. [2015]
em: Acontecimentos, 12/03/15, em Escamandro.
Disse o viajante de uma antiga terra:
“Duas pernas de pedra, no deserto,
Despontam gigantescas, e bem perto
Há um rosto destroçado que descerra
Os lábios num sorriso de comando
Que atesta: o escultor leu com mestria
Paixões que na matéria inerte e fria
A mão que as entalhou vão perdurando.
‘Meu nome é Ozymândias, rei dos reis:
Desesperai perante as minhas obras!’
Alerta uma inscrição no pedestal.
Mas são ruínas tudo o que ali sobra,
E um mar de areia, em árida nudez,
Circunda a decadência colossal”.
Original de Persy Shelley.
I met a traveller from an antique land
Who said: ― Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them on the sand,
Half sunk, a shatter’d visage lies, whose frown
And wrinkled lip and sneer of cold command
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamp’d on these lifeless things,
The hand that mock’d them and the heart that fed.
And on the pedestal these words appear:
“My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye mighty, and despair!”
Nothing beside remains: round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.
Dama
Stéphane Mallarmé
Soneto
Dama
sem tanto ardor embora ainda flamante
A rosa que cruel ou lacerada e lassa
Se deveste do alvor que a púrpura deslaça
Para em sua carne ouvir o choro do diamante
Sim sem crises de orvalho antes em doce alento
Nem brisa o fragor do céu leve ao fracasso
Com ciúme de criar não sei bem qual espaço
No simples dia o dia real do sentimento,
Não te ocorre, talvez, que a cada ano que passa
Quando em tua fronte se alça o encanto ressurreto
Basta-me um dom qualquer natural de tua graça
Como na alcova o cintilar de um leque inquieto
A reviver do pouco de emoção que grassa
Todo o nosso nativo e monótono afeto.
1887
A arma
Serpenteio sobre o seu corpo inerte
E sinto seus cílios roçarem meu braço.
Estica seus braços, com eles me envolve.
Ouço seu coração e, nisso, me refaço.
Caio no lago dos seus olhos e, neles, nado.
Corro por vales, montanhas,
me embrenho em florestas,
Descanso em seu regaço:
Dali só saiu quando sua arma tiver descarregado.
Revolução de Jasmim
ثورة الياسمين
Em memória de Tarek el-Tayeb Mohamed Bouazizi, um vendedor de frutas ambulante tunisiano que se incendiou em 17 de dezembro de 2010 e se tornou um catalisador para a Revolução de Jasmim na Tunísia e a Primavera Árabe contra regimes autoritários. Sua autoimolação foi uma resposta ao confisco de seus produtos e ao assédio e humilhação infligidos a ele por um funcionário municipal e seus assessores.
A púrpura tirou-lhe o pão
E a humilde banca de frutas.
Sem meios para o sustento,
Azizi vende dor "a todos Aqueles que sonham com a liberdadE".
Nos muros, palavras oníricas viraram
concretas pelo concreto
Ou virarão algum dia?
Ele imaginou o saldo de seu gesto?
Se soubesse, novamente se imolaria?
Nas Revoluções com nomes de cores e flores
O sinistro e o sublime se misturam:
quão apavorante é a arrastada miséria humana,
que um arrepiante gesto de horror instantâneo aliviaria?
Ascende o novo modo velho de ser e de pensar.
O que se perderá, o que se ganhará?
As belezas naturais e femininas encobertas
aos filhos mestiços de antigos fenícios,
são visitadas pelos curiosos
e reveladas aos peregrinos pagãos.
A esse lirismo brutal e pronto me debruço,
Esperando, desse jasmineiro, o fruto.
10-09-2012

Consoada
Consoada
Manuel Bandeira
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Consolo na Praia
Carlos Drummond de Andrade
Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis carro, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te – de vez – nas águas. Estás nu na areia, no vento… Dorme, meu filho.
Vampiro de Charles Baudelaire
VAMPIRO
Tu que, como uma punhalada
Invadiste meu coração triste,
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,
Para no espírito humilhado
Encontrar o leito ao ascendente,
– Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,
Como a seu jogo o jogador,
Como à garrafa o beberrão,
Como aos vermes a podridão
– Maldita sejas, como for!
Implorei ao punhal veloz
Dar-me a liberdade, um dia,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.
Mas não! O veneno e o punhal
Disseram-me de ar zombeiro
“Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro
Ah! imbecil – de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!”