Renato Janine Ribeiro: “No Brasil temos uma imprensa que efetivamente mente”

Leiam porque a Rede Globo, SBT e outras emissoras estão se esperneando tanto para derrubar a Dilma e porque os globais foram aos protestos

Por que a dívida da Globo não é manchete de jornal?

O que descobriríamos se os jornalistas brasileiros fossem atrás das denúncias de sonegação que envolvem grandes grupos de comunicação e que não viram notícia no país?

por Intervozes — publicado 31/07/2014 21h32, última modificação 02/08/2014 14h58

Por Bruno Marinoni*

“Siga o dinheiro”, aconselhava William Mark Felt, o “garganta profunda”, aos jovens jornalistas que, nos anos 70, revelaram todo um esquema de espionagem e corrupção no interior da Casa Branca. O que não descobriríamos então se os jornalistas da mídia brasileira investigassem, por exemplo, a denúncia de que a Globo deve mais de R$ 600 milhões aos cofres públicos porque sonegou o imposto decorrente da compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002?

O caso, que já vinha sendo anunciado há algum tempo, ganhou novo capítulo no último dia 17 de julho, quando 29 páginas do processo na Receita Federal contra a Globo foram divulgados em um blog na internet. A emissora teria usado 10 empresas criadas em paraísos fiscais para esconder a fraude. Com o esquema, o sistema Globo teria incorrido em simulação e evasão fiscal. O imposto sobre importâncias enviadas para o exterior para aquisição de direitos de transmissão no caso da empresa beneficiária estar sediada em paraísos fiscais seria de 25%, se fosse pago.

E se os jornalistas da nossa mídia fossem, por outro exemplo, atrás do papel que a Igreja Universal, milionária e com isenção fiscal por se tratar de uma entidade religiosa, cumpre no financiamento da Record? Uma matéria intitulada “Macedo nega uso do dinheiro da igreja na compra de TV”, publicada na Folha de São Paulo, em setembro de 1998 (quando a emissora não era ainda uma competidora de peso), afirmou que investigações da Receita resultaram em uma multa de R$ 265 milhões ao grupo. A maior parte do pagamento, ou R$ 118 milhões, coube à Record; outros R$ 98 milhões, à própria Igreja Universal, e mais R$ 6 milhões, a Edir Macedo. Esses valores se refeririam a autuações e multas por sonegação fiscal e outras irregularidades.

Além disso, a imprensa já veiculou algumas vezes que a Igreja Universal compraria a faixa da madrugada da TV Record, que tem baixíssima audiência, por um preço muito acima do mercado. Todavia, até onde sabemos, nada foi feito para resolver essa questão.

Em 2010, foi a vez de Sílvio Santos, dono do SBT, se envolver em um escândalo de fraude fiscal, uma dívida de R$ 3,8 bilhões. O evento não se relacionava diretamente com os meios de comunicação, e sim com seu banco, o “Panamericano”. O dono da empresa, porém, empenhou todo o seu patrimônio, inclusive seus canais de TV, como garantia de que a dívida seria sanada.

Quando poucos grupos controlam os meios de comunicação, quando há concentração do poder midiático é fácil criar um bloqueio a informações desfavoráveis aos donos da mídia por meio de uma estratégia “positiva”: preenchendo-se a agenda de temas discutidos pela sociedade com uma série de assuntos que não atinjam os interesses daqueles que controlam os canais de comunicação.

Escândalos de corrupção e desvio de dinheiro público são sempre matérias na nossa imprensa, mas qual a seleção de casos que é feita? O que fica de fora? Quem fica de fora dessas páginas? Se há um grande número e diversidade de atores dirigindo os meios de comunicação, maior a possibilidade de nos relacionarmos com canais suficientemente independentes para nos fornecer informações de interesse público. Mas isso é algo em falta no Brasil.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Intervozes.

Filósofo e ex-ministro da Educação de Dilma critica falta de independência dos jornalistas e partidarização da imprensa no País

Fonte: Renato Janine Ribeiro: “No Brasil temos uma imprensa que efetivamente mente”

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O Brasil pode dar certo? – Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico – 30/12/2013

Nenhum inglês rico completava a educação, nos séculos XVII e XVIII, sem o “Grand Tour”, uma longa viagem ao continente europeu para conhecer cidades e artes. (O mais ilustre dos preceptores desses moços foi o filósofo Thomas Hobbes, que assim conheceu René Descartes.). Seria bom, hoje que a Europa está ao alcance da classe média, que nossos jovens a visitassem para aprender o que é uma realidade socialmente justa. Ao menos no núcleo duro da Europa Ocidental – França, Alemanha, Benelux, Escandinávia – uma cultura basicamente socialdemocrata se implantou após a Segunda Guerra e ainda resiste, formando um modelo de sociedade até hoje insuperado, superior ao nosso e ao norte-americano.

Levantei no Facebook a questão que considero a mais relevante para o Brasil: por que países devastados, como a Alemanha de 1945, ou atrasados, como a Espanha de 1975, conseguiram “dar certo” – e nós não? As respostas racharam. Em geral, quem se situa à “esquerda” protestou contra a ideia de “dar certo”, sustentando que nem os europeus vão bem nem nós, tão mal. Já quem se diz liberal receitou reformas econômicas, como a desregulamentação da atividade empresarial (o exemplo mais comum). Entendo que essas são duas formas de não responder à pergunta mais importante sobre a sociedade brasileira.
Começo discutindo as reações mais à esquerda.

Ética e gestão, os dois pilares da boa política
 

Primeiro, o que é uma sociedade “dar certo”? Entendo:

1) um sistema de saúde eficiente e justo. Eficiente: que todos sejam atendidos bem, em prazo razoável, pelo menos para a maioria esmagadora das moléstias. Justo: ninguém receie que uma doença possa destruir sua renda ou patrimônio; a sociedade, pelo imposto (em especial, o de renda da pessoa física), cobrirá os gastos de saúde. Imaginem como esse ganho em termos de saúde melhorará as aposentadorias. Ninguém precisará passar a vida acumulando para o dia em que pagará 2 mil reais de plano de saúde, mil de remédios e ainda consultas e cirurgias.

2) uma educação de qualidade, gratuita ou quase. A importância inédita que a sociedade contemporânea atribui à educação tem duas grandes metas. Primeira: proporcionar, a todos, condições de concorrer em certa igualdade, neutralizando o bônus que a riqueza confere a alguns (e o bônus negativo que a pobreza inflige à maioria). Segunda: deixar que aflorem as mais variadas competências. Nunca houve sociedade rica e complexa como a atual. Ela precisa de competências mais variadas do que sociedades que só repetiam o passado. Hoje há mais espaço para cada um seguir sua vocação. Uma educação boa realiza vocacionalmente o indivíduo e capacita-o, se mostrar dedicação e empenho, a se projetar economicamente.

3) um transporte público bom, em grande parte – pelo menos nas maiores cidades – sobre trilhos. Na Grande Paris, mesmo no horário de pico dificilmente se gasta mais de uma hora e quinze para ir de uma ponta dos subúrbios a outra – com ou sem acidentes na rota. O transporte coletivo deve ser subsidiado, porque traz vantagens para a cidade, preservando-a da destruição operada por carros e avenidas. O Brasil é perverso: subsidia o carro privado, com isenção de impostos e construção de vias; por que não o transporte coletivo, que é mais saudável?

4) uma segurança pública decente, com policiais que respeitem o cidadão em vez de ameaçá-lo, e sejam dispostos e capacitados a apurar crimes.

Todos estes pontos associam ética e eficiência, valores e gestão. Todos tratam do que é mais justo socialmente, e do que é mais eficaz, virtude esta que geralmente associamos à economia e à administração. A fusão da ética com a eficiência é o segredo – que aguardamos – da boa governança.

Poderia falar da cultura, que aprimora qualidades humanas e capacidades profissionais, e das cadeias, que em vez de educar para o crime deveriam recuperar os detentos (como nas prisões rurais autogeridas de Minas Gerais, tema de recente reportagem do Valor), mas fico no “minimum minimorum”. No Brasil, já seria uma revolução.

Esta satisfação das necessidades dá à Europa uma tranquilidade no convívio cotidiano. Se no Brasil as pessoas furam fila e passam pelo acostamento, em parte é pela crença de que “não vai haver o suficiente para todos”: precisamos garantir o nosso, antes que a oferta se esgote. Mas, quando há bastante para todos, isso não é necessário. A vida fica melhor. O valor disso não tem preço.

Por isso, estranhei tanta gente que se diz de esquerda fechar os olhos ao desastre social que é nosso atraso nestes pontos. Os avanços petistas na inclusão social apenas tornam prioritária a construção de uma sociedade social-democrática (pouco a ver com o que propõe nosso partido de nome socialdemocrata). As faixas exclusivas de ônibus recentemente abertas em São Paulo fazem parte dessa mudança, mas que precisa ir além do emergencial – como as cotas, o elogiado Bolsa Família – e se tornar estrutural.

Estes anos, aumentou o dinheiro para os pobres consumirem, mas não houve um salto real nas funções distintivas do poder público. É paradoxal. O partido mais acusado de estatista promoveu um crescimento que beneficiou os pobres, sem tirar dos ricos. Talvez esteja se esgotando essa conciliação de classes. Talvez por isso, os conflitos sociais se tornem ásperos.

Discutirei, na semana que vem, o que a centro-direita propõe para o país dar certo.

***
Na última coluna mencionei Boulez, mas o certo era Olivier Messiaen. Peço desculpas por ter confiado demais em minha memória. Mas me deu prazer receber várias mensagens de leitores apontando o erro. O Brasil conhece melhor a música erudita do que este amador imaginava.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.E-mail: rjanine@usp.br

 

 

Autor de ‘As Aventuras de Pi’ é suspeito de plagiar brasileiro

da Livraria da Folha

Yann Martel, autor de “As Aventuras de Pi”, livro que inspirou o filme indicado ao Oscar (“Life of Pi”), é suspeito de ter plagiado a história de “Max e os Felinos”, de Moacyr Scliar (1937-2011).

Divulgação

História de um náufrago e uma fera num minúsculo barco no meio do oceano
Divulgação

História de um náufrago e uma fera num minúsculo barco no meio do oceano

Essa história começou quando o título recebeu o prêmio Booker de 2002. Na época, a imprensa suspeitou de plágio.

Mais de dez anos depois –temendo que a lendária “memória curta” dos brasileiros tenha algum fundamento–, vale relembrar o episódio.

Em “As Aventuras de Pi”, um adolescente indiano, filho do dono de um zoológico, acaba em um bote após um naufrágio. Um tigre-de-bengala –que aparece na capa do livro– faz companhia ao protagonista.

Em “Max e os Felinos”, um jovem alemão, que está fugindo do nazismo num navio que transporta animais, acaba em um bote após um naufrágio. Um jaguar –que aparece na capa do livro– faz companhia ao protagonista.

Médico e escritor

Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro judaico da cidade. Alfabetizado pela mãe, uma professora primária, Scliar cursou medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de mais de 70 livros e colunista da Folha, o gaúcho escreveu de romances a crônicas, de literatura infantil a ensaios sobre história.

Passou a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2003. Recebeu prêmios Jabuti em 1988, 1993, 2000 e 2009. Scliar morreu no dia 27 de fevereiro de 2011, aos 73, no Hospital das Clínicas de Porto Alegre, onde estava internado.

Eleito em 2002 pelo National Yiddish Book Center, dos Estados Unidos, um dos cem melhores livros de temática judaica escritos nos últimos 200 anos, “O Centauro no Jardim” é um romance sobre uma família judia na qual nasce um ser metade homem, metade cavalo.

Leia trecho da introdução ao livro “Max e os Felinos” escrita após as denúncias.

Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro “Escrevendo pela Nova Ortografia”.

*

INTRODUÇÃO
Moacyr Scliar

O Destino ainda bate à porta, claro, mas nesta época de comunicações instantâneas prefere o telefone. Na tarde de 30 de outubro de 2002, voltando para casa cansado de uma viagem, recebi uma ligação. Era uma jornalista do jornal O Globo, dando-me uma notícia que, a princípio, não entendi bem: parece que um escritor tinha ganho, na Europa, um prêmio importante com um livro baseado em um texto meu.

Minha primeira reação foi de estranheza: um escritor, e do chamado Primeiro Mundo, copiando um autor brasileiro? Copiando a mim? Ela se ofereceu para me dar mais detalhes, o que foi feito em telefonemas seguintes, e assim aos poucos fui mergulhando no que se revelaria, nos dias seguintes, um verdadeiro torvelinho, uma experiência pela qual eu nunca havia passado.

Sim, um escritor canadense chamado Yann Martel havia recebido, na Inglaterra, o prestigioso prêmio Booker, no valor de 55 mil libras esterlinas, conferido anualmente a autores do Common wealth britânico ou da República da Irlanda (entre outros: Ian McEwan, Michael Ondaatje, Kingsley Amis, J.M.Coetzee, Salman Rushdie, Iris Mur doch). Sim, ele dizia que havia se baseado em um livro meu, Max e os felinos, publicado no Brasil em 1981, pela L&PM (Porto Alegre), e traduzido poucos anos depois nos Estados Unidos como Max and the Cats (New York, Ballantine Books, 1990) e na França como Max et les Chats (Paris, Presses de la Renais sance, 1991). É uma pequena novela que escrevi com grande prazer – lembro-me de um fim de semana na serra gaúcha em que matraqueava animado a máquina de escrever, em todos os minutos em que não estava cuidando de meu filho, ainda pequeno.

Minha primeira reação não foi de contrariedade.

Ao contrário, de alguma forma senti-me envaidecido por ter alguém se entusiasmado pela idéia tanto quanto eu próprio me entusiasmara. Mas havia, na notícia, um componente desagradável e estranho, tão estranho quanto desagradável. Yann Martel não tinha, segundo suas declarações, lido a novela. Tomara conhecimento dela através de uma resenha do escritor John Updike para o New York Times, resenha desfavorável, segundo ele.

Esta afirmativa me perturbou. Max and the Cats não chegou a ser um best-seller, mas os artigos sobre o livro, que me haviam sido enviados pela editora, eram favoráveis – inclusive o do New York Times, assinado por Herbert Mitgang. Teria Updike escrito uma outra resenha – para o mesmo jornal? Se era esse o caso, por que eu não a recebera? Será que os editores só mandavam resenhas favoráveis?

À afirmativa seguia-se um comentário de Martel. Uma pena, dizia ele, que uma idéia boa tivesse sido estragada por um escritor menor. Mas, em seguida, levantava uma outra hipótese: e se eu não fosse um escritor menor? E se Updike tivesse se enganado? De qualquer maneira a idéia principal do livro serviu-lhe de ponto de partida para sua obra The Life of Pi. E qual é essa idéia?

O Max Schmidt de meu livro é um jovem alemão que está fugindo do nazismo e que embarca para o Brasil. O navio em que viaja, um velho cargueiro, transporta também animais de um zoológico. Há um naufrágio, criminoso, mas Max salva-se em um escaler. E de repente sobe a bordo um sobrevivente inesperado e ameaçador: um jaguar. Começa então a segunda parte da novela, que tem como título O jaguar no escaler.

Esta, a idéia que motivou Martel. O seu personagem, Piscine Molitor Patel, Pi, é um menino hindu cujo pai é dono de um zoológico. A família emigra para o Canadá, levando os animais a bordo. Há, na segunda parte do livro, um naufrágio (que depois será considerado criminoso). Pi salva-se. No mesmo barco estão um tigre de Bengala, um orangotango e uma zebra. O tigre liquida os três e Pi fica à deriva com o felino por mais de duzentos dias.

O texto de Martel é diferente do texto de Max e os felinos. Mas o leitmotiv é, sim, o mesmo. E aí surge o embaraçoso termo: plágio.

Embaraçoso não para mim, devo dizer logo. Na verdade, e como disse antes, o fato de Martel ter usado a idéia não chegava a me incomodar. Incomodava-me a suposta resenha e também a maneira pela qual tomei conheci mento do livro. De fato, não fosse o prêmio, eu talvez nem ficasse sabendo da existência da obra. No lugar de Martel eu procuraria avisar o autor. Aliás, foi o que fiz, em outra circunstância. Meu livro A mulher que escreveu a Bíblia teve como ponto de partida uma hipótese levantada pelo famoso scholar norte-americano Harold Bloom segundo a qual uma parte do Antigo Testamento poderia ter sido escrita por uma mulher, à época do rei Salomão. Tratava-se, contudo, de um trabalho teórico. Mesmo assim, coloquei o trecho de Bloom como epígrafe do livro – que enviei a ele (nunca respondeu – nem sei se recebeu -, mas eu cumpri minha obrigação). Martel agiu de maneira diferente. No prefácio, em que agradece a muitas pessoas, atribui a “fagulha da vida” (“the spark of life“) que o motivou a mim. Mas não entra em detalhes, não fala em Max e os felinos.

*

“Max e os Felinos”
Autor: Moacyr Scliar
Editora: L&PM
Páginas: 128
Quanto: R$ 13,90 (preço promocional*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

* Atenção: Preço válido por tempo limitado ou enquanto durarem os estoques. Não cumulativo com outras promoções da Livraria da Folha. Em caso de alteração, prevalece o valor apresentado na página do produto.

Texto baseado em informações fornecidas pela editora/distribuidora da obra.

Sombra

Cada vulto que surge

Chama você ao meu pensamento,

Aparição assustada e assustadora!

Eu canto o canto de criança que chora baixinho

Para não acordar os irmãos.

Escondo o rosto com as mãos pequeninas,

Querendo que a sombra atrás do móvel

Logo passe, não toque, não fale.

Engula o nó da garganta, se for capaz!

Nenhum passe vai tirar essa sombra de meu calcanhar!

16-06-2012

a sombra que me persegue

Epônimos Divinos

Num insondável labirinto auricular, perdi minha língua
E em minha hélice deitaram-se doces palavras
A turbilhonar, mesmo quando as proferia sem pretensão.

Fui mortalmente ferida pelas oscilações de seu arco do cupido.
Escalar meu monte para em seguida se atolar
Em minhas covinhas de Vênus foi mais nefasto
Que me ferir o calcanhar de Aquiles.

De seu singelo céu da boca brotam,
Como de grutas escoiceadas, as águas da vida,
Aonde todas as ninfas vêm se banhar,
Nas horas quentes do dia.

Não me transformou em pedra por estarem
Abertas minhas meninas-dos-olhos
E, finalmente, atravessou triunfante o arco de minhas sobrancelhas.
Caesar van Everdingen - Four Muses and Pegasus on Parnassus - 1650
Caesar van Everdingen – Four Muses and Pegasus on Parnassus – 1650

 

Hilas e as Ninfas, de John William Waterhouse (1896)
Hilas e as Ninfas, de John William Waterhouse (1896)

O lobo solitário II

Lobo-guará no cerrado
Lobo-guará no cerrado

 

Agora me tornei o lobo solitário.

Ele saiu de dentro de mim,

De onde estava entocado!

Com suas garras, com seus dentes,

Com sua fúria sem precedentes

Porque muito o atiçaram.

O lobo está cansado de sentir-se acuado!

Agora saiam da frente

Que a sujeição hoje é passado!

 

14-11-2012

Por quê?

desespero

 

 

 

 

 

 

Por que não ligo mais?

Por que não ligo para minha honra?

Por que perdi sonhos,

Perdi a vergonha?

Por que fujo de alcançar os fins,

Se ainda estou no começo?

Sei que posso, sei que sou capaz.

Só preciso querer o que eu quero…

Querer o que quero, quando quero

E quando já não quero mais.

Vivo a dor e o mal-estar

De suspender a vida

Enquanto afundar.

 

Abril de 2012.

Se se morre de amor!

 Meere und Berge und Horizonte zwischen

den Liebenden – aber die Seelen versetzen

sích aus dem staubigen Kerker und treffen

sich im Paradiese der Liebe.

Schiller, Die Rüuber

Se se morre de amor! — Não, não se morre,

Quando é fascinação que nos surpreende

De ruidoso sarau entre os festejos;

Quando luzes, calor, orquestra e flores

Assomos de prazer nos raiam n’alma,

Que embelezada e solta em tal ambiente

No que ouve, e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve,

Graciosa postura, porte airoso,

Uma fita, uma flor entre os cabelos,

Um quê mal definido, acaso podem

Num engano d’amor arrebatar-nos.

Mas isso amor não é; isso é delírio,

Devaneio, ilusão, que se esvaece

Ao som final da orquestra, ao derradeiro

Clarão, que as luzes no morrer despedem:

Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,

D’amor igual ninguém sucumbe à perda.

Amor é vida; é ter constantemente

Alma, sentidos, coração — abertos

Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,

D’altas virtudes, té capaz de crimes!

Compr’ender o infinito, a imensidade,

E a natureza e Deus; gostar dos campos,

D’aves, flores, murmúrios solitários;

Buscar tristeza, a soledade, o ermo,

E ter o coração em riso e festa;

E à branda festa, ao riso da nossa alma

Fontes de pranto intercalar sem custo;

Conhecer o prazer e a desventura

No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto

O ditoso, o misérrimo dos entes;

Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem

Para dizer que amor que em nós sentimos;

Temer qu’olhos profanos nos devassem

O templo, onde a melhor porção da vida

Se concentra; onde avaros recatamos

Essa fonte de amor, esses tesouros

Inesgotáveis, d’ilusões floridas;

Sentir, sem que se veja, a quem se adora,

Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,

Segui-la, sem poder fitar seus olhos,

Amá-la, sem ousar dizer que amamos,

E, temendo roçar os seus vestidos,

Arder por afogá-la em mil abraços:

Isso é amor, e desse amor se morre!

Se tal paixão porém enfim transborda,

Se tem na terra o galardão devido

Em recíproco afeto; e unidas, uma,

Dois seres, duas vidas se procuram,

Entendem-se, confundem-se e penetram

Juntas — em puro céu d’êxtases puros:

Se logo a mão do fado as torna estranhas,

Se os duplica e separa, quando unidos

A mesma vida circulava em ambos;

Que será do que fica, e do que longe

Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?

Pode o raio num píncaro caindo,

Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;

Pode rachar o tronco levantado

E dois cimos depois verem-se erguidos,

Sinais mostrando da aliança antiga;

Dois corações porém, que juntos batem,

Que juntos vivem, — se os separam, morrem;

Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,

Se aparência de vida, em mal, conservam,

Ânsias cruas resumem do proscrito,

Que busca achar no berço a sepultura!

Esse, que sobrevive à própria ruína,

Ao seu viver do coração, — às gratas

Ilusões, quando em leito solitário,

Entre as sombras da noite, em larga insônia,

Devaneando, a futurar venturas,

Mostra-se e brinca a apetecida imagem;

Esse, que à dor tamanha não sucumbe,

Inveja a quem na sepultura encontra

Dos males seus o desejado termo!

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Poesia II
Ainda uma vez_Adeus!

Ainda uma vez — Adeus

English: Antônio Gonçalves Dias (August 10, 18...
English: Antônio Gonçalves Dias (August 10, 1823 — November 3, 1864) Português: (Photo credit: Wikipedia)

Gonçalves Dias

I

Enfim te vejo! — enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

II

Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

III

Louco, aflito, a saciar-me
D’agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp’rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!

IV

Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.

V

Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura…
Olha-me bem, que sou eu!

VI

Nenhuma voz me diriges!…
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias — bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!

VII

Oh! se lutei! . . . mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?

VIII

Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t’esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T’esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!

IX

Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

X

Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
“Ela é feliz (me dizia)
“Seu descanso é obra minha.”
Negou-me a sorte mesquinha. . .
Perdoa, que me enganei!

XI

Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!

XII

Enganei-me!… — Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu’era…
E um louco fui, nada mais!

XIII

Louco, julguei adornar-me
Com palmas d’alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
Co que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.

XIV

Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera…
E eu! eu fui que a não quis!

XV

És doutro agora, e pr’a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!

XVI

Dói-te de mim, que t’imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!… de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

XVII

Adeus qu’eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

XVIII

Lerás porém algum dia
Meus versos d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; — e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, — de compaixão,

Maria, Marias

Paisagem Imaginante. Pintura feita em 1941 por Guignard, é uma das emblemáticas composições do artista em que nuvens se fundem a montanhas e igrejas, numa versão de ‘mundo flutuante’ em que estabelece um diálogo artístico com o Oriente

Maria, Maria sem dons nem magias

Só uma pobre qualquer

Que carece de alegrias,

Mas hoje vou cantá-la

nos meus versos mais pobres ainda

Para fazer-lhe jus, esse poema

Não destoa a forma do seu tema.

Maria, Marias, quantas poesias

Já escreveram em tua homenagem?

Incontáveis, eu já sabia!

Mas essa Maria não é aquela

A quem todos dizem amém.

É uma que conheci em uma

Longínqua paisagem.

Onde as Marias e as poesias

Nascem, vivem, morrem

Sem que o restante do mundo

Se dê conta de que na terra

Elas estiveram de passagem.

“Paisagem imaginante” de Alberto da Veiga Guignard

O operário que sonhava em ser poeta – parte I – In memoriam de Manir de Godoy

 

VIOLINISTA AZUL, de Marc Chagall

Era uma vez um menino meio nômade,

Que vivia entre o interior e a cidade grande.

O pai morrera de gangrena.

A mãe costureira sustentava com esforço seis filhos: Eupídio, Cássio, Dirce, Tó, Manir e Iracema.

Vendedor de doces no cinema, engraxate,

Chegou a operário de fábrica de chocolate.

Nada fantástica era a vida desse guri,

Que vivia em um cortiço no Pari.

Mas tudo mudou no dia em que encontrou

As letrinhas de metal jogadas na calçada,

Que formaram o primeiro poema do menino sentado no meio fio.

As letrinhas graciosas eram seu único brinquedo nas horas vagas.

Um dia, o dono das letras o viu

E chamou para trabalhar.

Ali, sua formação interrompida continuaria.

O menino-operário da tipografia,

Montava admirado textos de poetas, de romancistas e de aspirantes a artistas;

Panfletos dos primeiros socialistas.

Aprendia tudo de todos que viviam a sua volta.

Com muito esforço, lia de Lobato e Verne ao Príncipe Valente e Flash Gordon,

Assim foi se alfabetizando.

 

No cortiço, sua mãe temerária

Não levava desaforo pra casa!

Com ela aprendeu a ser valente.

 

Engajado na causa operária,

Começou a ler obras mais sisudas

Do que as que lera numa escola em Bragança Paulista.

Era taxado de comunista!

Admirava o “cavaleiro da esperança”…

Por isso, aos 16, fugiu de casa e fundou o PC em São João da Boa Vista.

Lá, via filmes do Mazzaropi,

Dormia em carros alheios,

Tocava violino na praça…

 

Thaís de Godoy, 12-04-2012.

Sonâmbulos

 

 

 

 

 

 

 

Você não sente

Que o que arranha

A lousa fria e dela arranca faísca

Não é nenhuma artimanha?

 

Você não sente

Que à noite sonâmbulos executam

Uma peregrinação errante?

Que na ausência da mente,

Só seus corpos exatos acertam

o caminho que aspiram, enfim?

 

Você não pressente

Que numa noite qualquer,

Esquecida do mundo e de mim

Por esse mesmo caminho

serei friamente conduzida,

Até chegar a um país

Que me aliene mais ainda,

Já que lá esta ossada não mente?