Chomsky: Este é o momento mais crítico na história da humanidade

Numa longa conversa, Chomsky analisa as principais tendências do cenário internacional, critica a escalada militarista do seu país e afirma que as alterações climáticas são o pior problema que a humanidade já enfrentou. Por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi

9 de Fevereiro, 2016 – 15:08h

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“Os Estados Unidos foram sempre uma sociedade colonizadora. Ainda antes de se constituir como Estado estava a eliminar a população indígena, o que significou a destruição de muitas nações originais”, sintetiza o linguista e ativista norte-americano Noam Chomsky quando se lhe pede que descreva a situação política mundial. Crítico acérrimo da política externa do seu país, argumenta que desde 1898 se virou para o cenário internacional com o controle de Cuba, “que converteu essencialmente em colônia”, para depois invadir as Filipinas, “assassinando milhares de pessoas”.

Continua a alinhavar uma espécie de contra-história do império: “Depois roubou o Hawai à sua população original, 50 anos antes de incorporá-la como mais um estado”. Imediatamente depois da segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos converteram-se em potência internacional, “com um poder sem precedente na história, um incomparável sistema de segurança, controlava o hemisfério ocidental e os dois oceanos, e naturalmente traçou planos para tentar organizar o mundo de acordo com os seus desejos”.

Concorda que o poder da superpotência diminuiu em relação ao que tinha em 1950, o pico do seu poder, quando acumulava 50 por cento do produto interno bruto mundial, que agora caiu para 25 por cento. Ainda assim, parece-lhe necessário recordar que os Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a nível militar é incomparável”.

Um sistema de partido único

Há algum tempo Chomsky comparou as votações no seu país com a escolha de uma marca de pasta de dentes num supermercado. “O nosso é um país de um só partido político, o partido da empresa e dos negócios, com duas facções, democratas e republicanos”, proclama. Mas acha que já não é possível continuar a falar de duas velhas comunidades políticas, já que as suas tradições sofreram uma mutação completa durante o período neoliberal.

“São os republicanos modernos que se fazem chamar democratas, enquanto a antiga organização republicana ficou fora do espectro, porque ambas as partes se deslocaram para a direita durante o período neoliberal, tal como aconteceu na Europa”. O resultado é que os novos democratas de Hillary Clinton adotaram o programa dos velhos republicanos, enquanto estes foram completamente tomados pelos neoconservadores. “Se você vir os espetáculos televisivos onde dizem debater, só gritam uns com os outros e as poucas políticas que apresentam são aterradoras”.

Os Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e militarmente é incomparável”

Por exemplo, ele aponta que todos os candidatos republicanos negam o aquecimento global ou são céticos, que apesar de não o negarem dizem que os governos não devem fazer algo sobre isso. “No entanto, o aquecimento global é o pior problema que a espécie humana jamais enfrentou, e nos dirigimos para um desastre completo”. Na opinião dele, as alterações climáticas têm efeitos só comparáveis com a guerra nuclear. Pior ainda, “os republicanos querem aumentar o uso de combustíveis fósseis. Não estamos perante um problema de centenas de anos, mas de uma ou duas gerações”.

A negação da realidade, que caracteriza os neoconservadores, corresponde a uma lógica semelhante à que impulsiona a construção de um muro na fronteira com o México. “Essas pessoas que tentamos afastar são as que fogem da destruição causada pelas políticas norte-americanas”.

“Em Boston, onde vivo, há um par de dias o governo de Obama deportou um guatemalteco que viveu aqui durante 25 anos; tinha uma família, uma empresa, era parte da comunidade. Tinha escapado da Guatemala destruída durante a administração Reagan. Em resposta, a ideia é construir um muro para proteger-nos. Na Europa é o mesmo. Quando vemos milhões de pessoas fugindo da Líbia e da Síria para a Europa, temos que nos interrogar sobre o que aconteceu nos últimos 300 anos para chegarmos a isto”.

Invasões e alterações climáticas retroalimentam-se

Há apenas 15 anos não existia o tipo de conflito que observamos hoje no Médio Oriente. “É consequência da invasão norte-americana do Iraque, que é o pior crime do século. A invasão britânico-norte-americana teve consequências horríveis, destruíram o Iraque, que agora é classificado como o país mais infeliz do mundo, porque a invasão tirou a vida a centenas de milhares de pessoas e criou milhões de refugiados, que não foram acolhidos pelos Estados Unidos e tiveram que ser recebidos pelos países vizinhos pobres, os quais foram encarregados de recolher as ruínas do que nós destruímos. E o pior de tudo é que instigaram um conflito entre sunitas e xiítas que não existia antes”.

As palavras de Chomsky recordam a destruição da Iugoslávia durante a década de 1990, instigada pelo Ocidente. Destaca que, tal como Sarajevo, Bagdá era uma cidade integrada, onde os diversos grupos culturais compartilhavam os mesmos bairros, se casavam com membros de diferentes grupos étnicos e religiões. “A invasão e as atrocidades que se seguiram instigaram a criação de uma monstruosidade chamada Estado Islâmico, que nasce com financiamento saudita, um dos nossos principais aliados no mundo”.

Um dos maiores crimes foi, em sua opinião, a destruição de grande parte do sistema agrícola sírio, que assegurava a alimentação, o que levou milhares de pessoas para as cidades, “criando tensões e conflitos que explodem mal começa a repressão”.

Uma das suas hipóteses mais interessantes consiste em cruzar os efeitos das intervenções armadas do Pentágono com as consequências do aquecimento global.

Na guerra no Darfur (Sudão), por exemplo, os interesses das potências convergem com a desertificação que expulsa populações inteiras das zonas agrícolas, o que agrava os conflitos. “Estas situações desembocam em crises horríveis, como acontece na Síria, onde se registra a maior seca da sua história que destruiu grande parte do sistema agrícola, gerando deslocamentos, exacerbando tensões e conflitos”, reflete.

Ainda não temos pensado profundamente, destaca, sobre o que implica esta negação do aquecimento global e os planos a longo prazo que os republicanos pretendem acelerar: “Se o nível do mar continua a subir e sobe mais rapidamente, vai engolir países como o Bangladesh, afetando centenas de milhões de pessoas. Os glaciares do Himalaia estão derretendo rapidamente, pondo em risco o abastecimento de água ao sul da Ásia. Que vai acontecer a essas milhões de pessoas? As consequências iminentes são horrendas, este é o momento mais importante na história da humanidade”.

Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os seres humanos têm que decidir se querem viver ou morrer: “Digo-o literalmente. Não vamos morrer todos, mas se destruiriam as possibilidades de vida digna, e temos uma organização chamada Partido Republicano que quer acelerar o aquecimento global. Não exagero – remata– é exatamente o que querem fazer”.

A seguir, cita o Boletim de Cientistas Atômicos e o seu Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialistas sustentam que na Conferência de Paris sobre o aquecimento global era impossível conseguir um tratado vinculante, apenas acordos voluntários. “Por quê? Porque os republicanos não o aceitariam. Bloquearam a possibilidade de um tratado vinculante que poderia ter feito algo para impedir essa tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca existiu na história da humanidade. É disso que estamos a falar, não são coisas de importância menor”.

Guerra nuclear, possibilidade certa

Chomsky não é das pessoas que se deixam impressionar por modas acadêmicas ou intelectuais; o seu raciocínio radical e sereno procura evitar furores e, talvez por isso, mostra-se avesso a aceitar a anunciada decadência do império. “Tem 800 bases em todo o mundo e investe no seu exército tanto como todo o resto do mundo. Ninguém tem algo assim, com soldados combatendo em todas as partes do mundo. A China tem uma política principalmente defensiva, não possui um grande programa nuclear, ainda que possa crescer”.

O caso de Rússia é diferente. É a principal pedra no sapato da dominação do Pentágono, “porque tem um sistema militar enorme”. O problema é que tanto a Rússia como os Estados Unidos estão a ampliar os seus sistemas militares, “ambos estão a atuar como se a guerra fosse possível, o que é uma loucura coletiva”. Pensa que a guerra nuclear é irracional e que só poderia acontecer em caso de acidente ou erro humano. No entanto, coincide com William Perry, ex-secretário da Defesa, que disse recentemente que a ameaça de uma guerra nuclear é hoje maior do que era durante a Guerra Fria. Chomsky considera que o risco se concentra na proliferação de incidentes que envolvem forças armadas de potências nucleares.

“A guerra esteve muito próxima inúmeras vezes”, admite. Um dos seus exemplos favoritos é o que aconteceu durante o governo de Ronald Reagan, quando o Pentágono decidiu por à prova a defesa russa mediante a simulação de ataques contra a União Soviética.

“Resultou que os russos levaram isso muito a sério. Em 1983, depois de os soviéticos automatizarem, os seus sistemas de defesa detectaram um ataque de míssil norte-americano. Nestes casos o protocolo é ir diretamente ao alto comando e lançar um contra-ataque. Havia uma pessoa que tinha que transmitir essa informação, Stanislav Petrov, mas decidiu que era um falso alarme. Graças a isso, estamos aqui falando”.

Aponta que os sistemas de defesa dos Estados Unidos têm erros sérios e há umas semanas foi divulgado um caso de 1979, quando se detectou um ataque em massa com mísseis a partir da Rússia. Quando o conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, estava levantando o telefone para chamar o presidente James Carter e lançar um ataque de represália, chegou a informação de que se tratava de um falso alarme. “Há dezenas de falsos alarmes em cada ano”, assegura.

Neste momento as provocações dos Estados Unidos são constantes. “A NATO está realizando manobras militares a 200 metros da fronteira russa com a Estônia. Nós não toleraríamos algo assim que acontecesse no México”.

O caso mais recente foi o abate de um caça russo que estava a bombardeando forças jihadistas na Síria em fins de novembro. “Há uma parte da Turquia rodeada por território sírio e o bombardeiro russo voou através dessa zona durante 17 segundos, e derrubaram-no. Uma grande provocação que felizmente não foi respondida pela força, mas levaram o seu mais avançado sistema antiaéreo para a região, o que lhes permite derrubar aviões da NATO”. Argumenta que fatos semelhantes estão acontecendo diariamente no mar da China.

A impressão que emerge dos seus gestos e reflexões é que se as potências que são agredidas pelos Estados Unidos atuassem com a mesma irresponsabilidade que Washington, o destino estaria traçado.

Entrevista com Noam Chomsky, por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi, publicada no jornal La Jornada em 7 de fevereiro de 2016. Tradução de Carlos Santos com alterações de Thaís de Godoy para o português do Brasil

 

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Um movimento genuíno pela mudança social

“A guerra é a saúde do Estado”, escreveu em um ensaio clássico o crítico social Randolph Bourne, quando os EUA ingressaram na Primeira Guerra Mundial:


“Ela automaticamente coloca em movimento, em toda a sociedade, aquelas forças irresistíveis pela uniformidade, pela cooperação apaixonada com o governo ao coagir grupos minoritários e indivíduos que não tenham o sentido de rebanho para que obedeçam… Outros valores como a criação artística, o conhecimento, a razão, a beleza, a valorização da vida são instantaneamente e quase por unanimidade sacrificados, e as classes significativas que se constituíram a si mesmas como agentes do Estado não apenas sacrificam esses valores para si, mas se engajam na coerção de todas as outras pessoas para que os sacrifiquem.”

E a intelligentsia estava a serviço das “classes significativas” da sociedade, “treinada no pragmatismo, imensamente pronta para ordens executivas de eventos, lamentavelmente despreparada para a interpretação intelectual ou para o foco idealista nos fins”.

Essas pessoas estão “alinhadas a serviço da técnica de guerra. Parece ter havido uma simpatia peculiar entre a guerra e estes homens. É como se estivessem esperando um pelo outro”.

O papel da intelligentsia técnica na tomada de decisões é predominante nas partes da economia que estão “a serviço da técnica de guerra” e intimamente ligadas ao governo, o que garante sua segurança e crescimento.

Não é de admirar, então, que a intelligentsia técnica, tipicamente, esteja comprometida com o que o sociólogo Barrington Moore, em 1968, chamou de “a solução predatória da reforma de token em casa e do imperialismo contrarrevolucionário no exterior”.

Moore ofereceu o seguinte resumo da “voz predominante dos EUA em casa e no exterior” -uma ideologia que expressa as necessidades da elite socioeconômica americana, que é proposta com várias gradações de sutileza por muitos intelectuais norte-americanos, e que ganha a adesão substancial por parte da maioria que obteve “alguma participação na sociedade afluente”:

“Você pode protestar com palavras o quanto quiser. Há apenas uma condição associada à liberdade que nós gostaríamos muito de encorajar: seus protestos podem ser tão barulhentos quanto possível, desde que continuem a ser ineficazes… Qualquer tentativa de remover seus opressores pela força é uma ameaça à sociedade civilizada e ao processo democrático… Se vocês recorrerem à força, nós vamos, se necessário, tirá-los da face da terra pela resposta comedida que faz chover fogo dos céus”.

Uma sociedade na qual esta é a voz predominante, só pode ser mantida por alguma forma de mobilização nacional, que pode variar em sua extensão desde um compromisso com recursos substanciais até uma verdadeira ameaça de uso da força e violência.

Tendo em conta as realidades da política internacional, esse compromisso pode ser mantido nos Estados Unidos apenas por uma forma de psicose nacional -uma guerra contra um inimigo que aparece em muitos disfarces: o Kremlin burocrata, o camponês asiático, o estudante latino-americano e, sem dúvida, a “guerrilha urbana” em casa.

O intelectual, tradicionalmente, fica preso entre as demandas conflitantes da verdade e do poder. Ele gosta de ver a si mesmo como um homem que procura discernir a verdade, de dizer a verdade como ele a vê e de agir –coletivamente, onde pode, e sozinho, onde deve– para se opor à injustiça e à opressão e ajudar a trazer uma ordem social melhor.

Se ele escolher este caminho, provavelmente será uma criatura solitária, ignorada ou injuriada. Se, por outro lado, usar seu talento em serviço do poder, pode alcançar prestígio e riqueza.

Ele também pode ter sucesso em persuadir a si mesmo –talvez, de vez em quando, de forma justa–  que poderá humanizar o exercício do poder pelas “classes significativas”. Talvez espere se juntar a elas ou até mesmo substituí-las no papel da gestão social, no interesse supremo da eficiência e da liberdade.

O intelectual que aspira a esse papel pode usar a retórica do socialismo revolucionário ou da engenharia social para o bem estar social em busca de uma “meritocracia”, na qual o conhecimento e capacidade técnica conferem poder.

Ele pode representar a si mesmo como parte de uma “vanguarda revolucionária”, abrindo o caminho para uma nova sociedade, ou como um especialista aplicando “a técnica gradativa” para a gestão de uma sociedade que pode responder aos seus problemas sem mudanças fundamentais.

Para alguns, a escolha talvez dependa de pouco mais do que uma avaliação da força relativa dos diferentes interesses sociais. Não surpreende, então, que os papéis comumente mudem; o estudante radical se torna especialista no combate à insurgência.

Suas reivindicações devem, de qualquer modo, ser vistas com desconfiança: ele está propondo uma ideologia que serve a si própria, de uma “elite meritocrática” que, na frase de Karl Marx (aplicada, neste caso, para a burguesia), define “as condições especiais de sua emancipação [como] as condições gerais através das quais a sociedade moderna pode se salvar”.

O papel de intelectuais e ativistas radicais, então, deve ser o de analisar e avaliar, de tentar persuadir e organizar, mas não de tomar o poder e o governo. Em 1904, Rosa Luxemburgo escreveu: “Historicamente, os erros cometidos por um movimento verdadeiramente revolucionário são infinitamente mais proveitosos do que a infalibilidade do Comitê Central mais inteligente”.

Estas observações são um guia útil para um intelectual radical. Elas também fornecem um antídoto refrescante ao dogmatismo tão típico do discurso à esquerda, com suas certezas áridas e fervor religioso sobre questões que são tão pouco compreendidas -a contrapartida da esquerda autodestrutiva à superficialidade presunçosa dos defensores do status quo que percebem que os seus próprios compromissos ideológicos não passam daquilo que um peixe pode perceber ao nada no mar.

Os pensadores radicais sempre deram como certo, e com toda a razão, que a ação política eficaz que ameaça os interesses sociais arraigados levará a “confrontação” e à repressão. Assim, é um sinal de falência intelectual a esquerda buscar construir “confrontos”; é uma clara indicação de que os esforços para organizar a ação social significativa falharam.

É particularmente censurável a ideia de projetar confrontos de modo a manipular os participantes inconscientes a aceitarem um ponto de vista que não nasce da experiência significativa, da verdadeira compreensão. Isso não é apenas um testemunho à irrelevância política, mas também, precisamente por ser manipuladora e coercitiva, é uma tática adequada apenas para um movimento que visa manter uma forma elitista e autoritária de organização.

As oportunidades para os intelectuais tomarem parte de um verdadeiro movimento de mudança social são muitas e variadas, e eu acho que certos princípios gerais estão claros. Os intelectuais devem estar dispostos a enfrentar os fatos e absterem-se de erigir fantasias convenientes.

Eles devem estar dispostos a realizar o trabalho intelectual árduo e sério que é necessário para uma real contribuição para o entendimento. Eles devem evitar a tentação de se unirem a uma elite repressiva e devem ajudar a criar a política de massa que vai neutralizar -e, por fim, controlar e substituir- as fortes tendências de centralização e autoritarismo que estão profundamente enraizadas, mas não são inescapáveis.

Eles devem estar preparados para enfrentar a repressão e para agir em defesa dos valores que professam. Em uma sociedade industrial avançada, existem muitas possibilidades para a participação popular ativa no controle de grandes instituições e na reconstrução da vida social.

Até certo ponto, podemos criar o futuro, em vez de meramente observar o fluxo de eventos. Dados os riscos, seria criminoso deixar passar oportunidades reais inexploradas.

Tradutor: Deborah Weinberg.

 

Destaque

À Palestina,

o sangue, que jorra das veias de seu povo,

é esquecido, é ignorado

até quando fingiremos que tudo é normal?

até quando viraremos as costas àqueles que sofrem

de um grande mal?

“assim caminha a humanidade”, uns dizem.

outros permanecem calados,

enquanto seus filhos se esquivam da morte sem

saber se seus passos serão lembrados

todos eles serão só números quantificados?

alguns ainda virarão dissertação ou teses de doutorado,

mas sem nome, sem lar

nem água nem chão,

todos seus filhos serão

prisioneiros em seu próprio torrão?

e todos nós sem a vergonha de deixar

que isso aconteça a um irmão?

12-07-2012
Destaque

Na Palestina: O velho, a árvore, o ônibus

À Abd Al-Hasib Atta Zaloum

Sobre o solo, jaz a carcaça do que um dia havia sido um ônibus.
Hoje, tornou-se abrigo do velho sem moradia.
As estrelas no céu velam por eles à noite.
O frio passa pelas vidraças estilhaçadas,
Vem sorrateiro seu rosto açoitar.

Sob o sol escaldante,
a sombra vem de uma árvore solitária.
O ônibus à noite e a árvore de dia
São todo o seu reino, como nem
o rei da Jordânia tem.

Assim que ficou pronta,
sua antiga casa foi demolida;
sua terra, por colonos, roubada.
Converteram seu território em "área de segurança".

Segurança pra quem,
se o velho agora vive ao relento?
Não é o velho, de humanos, rebento?
Não necessita de segurança também?
É menos humano que as crianças da escola
atrás daquela muralha, já que delas só recebe desdém?

Como a vida, que poderia ter tido, foi interrompida,
Perdeu sua costumeira esperança
e neste solo devastado só quer plantar seus olhos cansados
Para não verem mais a guerra assolar o seu lar.