“A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de expressão dos homens.”
Octavio Paz
Caminhando sob um sol de cozinhar o cérebro entrei no banco. Fui fazer o pagamento de uma conta atrasada. Sair de casa de coturno, calça preta e camisa manga comprida preta, nesse calor, é pedir para passar mal. Dentro do banco, eu todo suado, suor brotando por todos os poros da cabeça, escorregando na testa, nos braços e a sensação nada agradável de estar derretendo, a camisa grudada nas costas. Peguei uma ficha e fui sentar no banco a espera de atendimento. Longe, vi um estudante de filosofia com quem pensei poder passar, pelo menos ali dentro, alguns minutos tendo uma boa conversa. E tive. Ele me falou sobre o livro que estava lendo. Um conjunto de ensaios sobre filosofia do séc. XVIII, filosofia ilustrada, como se diz, filosofia burguesa – pequeno racionalismo, ainda assim, coisa de gigantes. Continuamos conversando e então ele me disse que aqueles eram um conjunto de ensaios, modelo de escrita excepcional, com os quais os professores gostariam que nos defrontássemos para, via imitação de imitação, tentar fazer algo igual ou que atingisse o mesmo teor filosófico, a mesma agudeza de espírito com o mesmo poder de análise, o que por falta de genialidade, porque não me julgo um gênio, e escrever como ele, só depois que eu vir a este mundo 3 vezes e tiver a certeza de que já possuo acumulada a cultura de todos os séculos. Uma pequena confusão de uma senhora bem-vestida, loira, cheia de bijuterias douradas e uma bolsa de couro preta brilhante, parecia uma dessas burguesas sinistras querendo atendimento imediato, se instala na nossa frente como se ela fosse mais importante que nós e todo mundo. Mas não demos muita atenção para isso. Retomamos a conversa após o bate-boca acalmar. Falamos sobre os protestos do dia da independência do Brasil, 7 de setembro, os presos políticos que se encontram atrás das grades até hoje. Falamos sobre o espetáculo que foi imaginar uma filósofa dar uma oficina em uma academia militar e sentar a lenha nos anarquistas. Eu olhava no painel e os números mudando: 73, 74, 75, 76, 77,…, meu número era 84. No caixa uma pessoa passava de 5 a 15 minutos, isso nos dava o ensejo para continuar esse diálogo que de tão prazeroso parecia não ter fim. Mudamos de assunto. Começamos a conversar sobre poesia. Sobre os saraus que ocorrem na cidade. Eu disse que conhecia, mas que não frequentava sarau na cidade, por saber que ali tem de tudo, menos poetas e poesia. E então o meu amigo filósofo ficou assim meio estarrecido com minha crítica. Perguntei se conhecia os livros de poesia do velho filósofo que ele tinha nas mãos (A LETRA DESCALÇA e O VÔO CIRCUNFLEXO – POEMAS). Ele disse que não. Eu disse a ele que quando R. R. T. F. tinha dezoito anos de idade escreveu 2 livros de poesia, mas poesia mesmo, a começar pelo uso rigoroso da linguagem o que esqueceu logo que começou a se aventurar na reflexão séria da filosofia. E disse que quando Sérgio Vaz estiver com 98 anos de idade, terá a maturidade que Rubens Rodrigues Torres Filho tinha aos 18. E disse isso porque tenho consciência de que em se tratando de literatura, não valem boas intenções. Minha vez na fila chegou. Fui pagar a conta. Me despedi do amigo com um aceno e me dirigi para fora dali. Árvores, calçadas, ponto de ônibus, cigarro aceso na boca e livros na mão: ar livre…
A. L.