Eugênia Grandet

“Os avarentos não acreditam numa vida futura, o presente é tudo para eles. Esta reflexão joga uma horrível clareza sobre a época atual em que, mais que em qualquer outro tempo, o dinheiro domina as leis, a política e os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspira para solapar a crença numa vida futura, sobre a qual o edifício social se apoia há mil e oitocentos anos. Atualmente, a sepultura é uma transição pouco temida. O amanhã que nos esperava além do Requiem foi transportado para o presente. Chegar per fas et nefas [por todos os meios] ao paraíso terrestre do luxo e das vaidosas alegrias, petrificar o coração e macerar o corpo em busca de bens passageiros como outrora se suportava o martírio em busca dos bens eternos, eis o pensamento geral. Pensamento que, aliás, está escrito em toda parte, até nas leis, que perguntam ao legislador: “Que pagas?” em vez de indagar: “Que pensas?” Quando essa doutrina tiver passado da burguesia ao povo, que será do país?”

Resposta a Balzac

Quase duzentos anos depois, eu responderia a Balzac que esse pensamento passou ao povo muito antes do que ele poderia imaginar e não apenas o povo francês, mas foi globalizado.

Assistindo aos canais neo-pentecostais no fim das noites, pode-se observar fieis recostados a carros de luxo, afirmarem que graças a Igreja Universal do Reino de Deus, ou outra do mesmo naipe, conquistaram o paraíso terreno. Ninguém fala em ser bom para salvar sua alma para o vindouro Paraíso e a graça divina que não é “de graça” depende do seu engajamento nesta ou naquela congregação, mas tem que ser “pra já”, tem que ser agora, ninguém quer esperar.

Acredito, porém, nas exceções e a própria Eugènie Grandet, personagem do livro de onde esse trecho foi extirpado, é um exemplo de uma rara exceção, perdoem o pleonasmo, já que ela dá todo o dinheiro dela para seu amado Carlos fazer fortuna na colônia a fim de poderem se casar. Quando Carlos, finalmente, volta riquíssimo, casasse com outra moça aristocrata pobre, para dar lastro ao seu nome plebeu e possibilitar entrada dele na política.

O nome Eugènie, de boa origem, e o sobrenome, Grandet, semelhante a grand, grande em francês, indicam que Balzac criou uma personagem excepcional por sua rara generosidade curtida no sofrimento causado por seu pai riquíssimo, mas tão avarento que deixa a filha e a esposa passarem fome e frio para continuar acumulando seu capital.

A ironia do romance de Balzac é que a grandeza da heroína passa despercebida ou menosprezada pelo mundo mesquinho a sua volta, por seu pai e por seu noivo  ganancioso. Ninguém a observa ou é capaz de entender e admirar seu gesto: é uma heroína anônima, exceto para o autor e o leitor que se identificar com ela, caso contrário a verão apenas como uma moça tola e ingênua que perdeu sua vida por confiar demais na humanidade.

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Eugenie Grandet filme de Mario Soldati , 1946.
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