Bares, cafés e clubes, a partir do século XIX, não eram apenas um ambiente para a happy hour. Eles foram o cenário onde questões políticas, filosóficas, movimentos artísticos revolucionários se espalharam. O propósito deste site é o mesmo: criar um espaço virtual para expressão livre de ideais, reflexões e sentimentos, com espírito crítico em relação a nossa Cultura.
Você, que é tão erudito,
recite-me versos suaves, por piedade,
para recuperar de viver a vontade!
Você, que é tão ajuizado,
Por misericórdia me dite os santos escritos
Nos templos ouvidos,
Para alimentar desgraçados proscritos!
Você, que é tão são,
por compaixão, reze-me uma oração
para alentar a quem vive ao relento;
a quem se negou a terra de onde tirar o sustento;
a quem nunca recuperou seu pródigo rebento.
Thaís GM
Atualizado em 3 de outubro, 2013 – 06:56 (Brasília) 09:56 GMT
Civis ajudados por brasileiras sofriam com a falta total de atendimento básico de saúde
As brasileiras Bianca Dias Amaral e Letícia Pokorny percorreram durante horas um trajeto perigoso para entrar ilegalmente em um país de onde 2 milhões de pessoas já fugiram: a Síria.
Com alguns meses de diferença, as duas partiram da Turquia com o mesmo objetivo: chegar a dois hospitais no norte do país para ajudar civis, vítimas da guerra ou de problemas decorrentes dela, como a escassez total de serviços básicos de saúde.
Como os dois hospitais – ambos mantidos pela ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) – ficavam em áreas controladas pelos rebeldes, as duas tiveram que cruzar a fronteira ilegalmente.
“Foi muito assustador. Atravessei um descampado por umas três horas e, o tempo todo, ia ouvindo os bombardeios, sem parar. Quando cheguei em uma rodovia de terra, tive de correr por uns 500 metros, sem olhar para trás”, conta Bianca, uma obstetra de 30 anos que, para o desespero de sua família, foi para Síria em sua primeira missão no MSF.
Já a fisioterapeuta Letícia, de 37 anos, havia acabado de passar alguns meses na Líbia quando foi chamada para ir para Síria, sua 11º missão para a ONG.
Com bagagens diferentes, elas contam à BBC Brasil os desafios que enfrentaram, os medos e também os momentos recompensadores.
BBC Brasil – Como você foi chamada para ir à Síria?
Bianca Dias Amaral – Quando o pessoal do MSF me ligou perguntando se eu queria ir para a Síria, fiquei muito surpresa, porque normalmente eles mandariam pessoas mais experientes para um local assim. Então pedi um dia para pensar. Após 12 horas, estava convicta de que não iria. Porque mesmo indo com uma ONG desse porte, há coisas contras as quais você não pode se proteger. Quando liguei para comunicar minha decisão, conversando com a coordenadora, eu aceitei, pois vi que era exatamente isso que eu queria. Embarquei no começo de abril e fiquei até o fim de junho.
BBC Brasil – Como era sua rotina lá?
Bianca – Meu trabalho envolvia justamente a área da saúde básica, algo que ficou totalmente comprometido com a guerra, já que os hospitais foram destruídos e a maioria dos profissionais fugiu. Fazia partos, pré-natal, consultas. O ritmo de trabalho era intenso, porque além do trabalho durante o dia, também corria para o hospital toda vez que uma grávida chegava para ter o bebê. Em 9 semanas, só em 3 noites não fui chamada.
BBC Brasil – Você sentia que estava em um país em guerra?
Bianca – Após um mês e meio, houve um grande ataque. Bombas caíram perto do hospital. As paredes tremiam e o barulho era ensurdecedor. Atendemos dezenas de feridos. Depois, ficamos sabendo que as tropas do governo estavam marchando em nossa direção. E não sabíamos se iam conseguir nos tirar de lá ou não. Esse foi meu pior momento. Uma hora, percebi que estava respirando muito ofegante, mas eu não estava correndo nem nada, estava sentada na minha cama, parada. Estava em pânico.
BBC Brasil – E vocês foram retirados no final? Como foi?
Bianca – Sim. Quando saí, senti um misto de alívio por deixar aquele lugar, algo bem egoísta, com uma sensação frustração, por estar abandonando as pessoas que já haviam sido abandonadas por todo mundo. Mas a situação melhorou e voltamos depois de alguns dias.
BBC Brasil – Como foi trabalhar em um país muçulmano?
Bianca – Eu usava véu e blusa cobrindo os braços, o que às vezes era complicado por causa do calor. Mas nunca sofri nenhum tipo de preconceito por ser mulher. Também me fez aprender um pouco de árabe, principalmente os termos ligados a parto, seja alguma palavra técnica até a saudação que eles fazem quando o bebê nasce. E achei curioso que, em vez do marido, é a sogra que acompanha a gestante na hora do parto.
BBC Brasil – No que essa missão te marcou?
Bianca – Fiquei muito impressionada com o comprometimento dos sírios que, apesar de tudo, decidiram ficar no país e resolveram ajudar, como a minha tradutora, que era estudante de literatura em Aleppo antes de a guerra estourar. Meu jeito de trabalhar não mudou tanto, mas, pessoalmente, sou outra. Mudou tudo. Minhas preocupações, minhas prioridades.
BBC Brasil – Pra onde você vai agora?
Bianca – Vou para o Quênia por 14 meses. E estou torcendo para minha mãe ter esquecido sobre o ataque ao shopping da capital. Mas é uma missão mais tranquila, em que serei a supervisora de saúde da mulher, com serviços como pré-natal, parto, ações relacionadas ao HIV, violência sexual.
English: Photograph of Noam Chomsky (Photo credit: Wikipedia)
Do Correio da Cidadania
Em entrevista exclusiva para o portal britânico Cessar Fogo (Ceasefire), o renomado intelectual Noam Chomsky falou com Frank Barat sobre a situação atual no Oriente Médio, em particular a crise da Síria, as negociações de paz entre Israel e os palestinos e o papel do poder dos EUA na região. “Se os EUA e Israel quisessem ajudar os rebeldes – não o fazem – poderiam fazê-lo sem intervenção militar”.
Leia a entrevista completa:
Qual é a definição das negociações entre Israel e Estados Unidos e porque a Autoridade Palestina (AP) continua a prestar-se a isso?
Do ponto de vista dos EUA, as negociações são, com efeito, um caminho para Israel continuar a sua política de tomar sistematicamente tudo o que quiser na Cisjordânia, mantendo o assédio brutal de Gaza, separando Gaza da Cisjordânia e, claro, ocupando os Montes Golã sírios, tudo com pleno apoio dos EUA. E o marco das negociações, igualmente aos últimos 20 anos de experiência de Oslo, simplesmente proporcionou o encobrimento desta situação.
Em sua opinião, por que a Autoridade Palestina (AP) continua a jogar esse jogo?
Provavelmente, em parte, por desespero. Podemos nos perguntar se é a decisão correta, mas ela não tem muitas alternativas.
Definitivamente, a AP aceita esse marco apenas para sobreviver?
Se ela se nega a negociar, tal como propõem os Estados Unidos, a sua base de apoio seria derrubada. A AP sobrevive essencialmente à base de doações. Israel assegurou que ela não tenha uma economia produtiva. É uma espécie do que em ídiche se chamaria “Sociedade Schnorrer”: pede emprestado e vive do que puder conseguir.
Se a AP tem outra alternativa, não está claro, mas se rejeitar a exigência dos EUA de acudir às negociações em condições totalmente inaceitáveis, a sua base de apoio iria erodir-se. E não tem apoio – externo – suficiente para que a elite palestiniana possa viver de maneira bastante decente – por tabela pródiga – no seu estilo de vida, enquanto a sociedade que a rodeia cai aos pedaços.
Desse modo, seria negativa a queda e desaparição da AP, depois disso tudo?
Depende do que vier a substituí-la. Se fosse permitido a Marwan Barghouti, por exemplo, unir-se à sociedade da forma como fez, por exemplo, Nelson Mandela, poderia ter um efeito dinamizador na organização de uma sociedade palestiniana, que poderia pressionar por exigências mais importantes. Mas lembre-se que eles não têm muitas opções.
De facto, se nos remetemos ao princípio dos Acordos de Oslo, há 20 anos, havia negociações em curso, as negociações de Madrid, nas quais a delegação palestiniana era encabeçada por Haider Abdel-Shafi, uma figura muito respeitada da esquerda nacionalista palestiniana. Abdel-Shafi negava-se a aceitar os termos dos EUA e Israel, que lhes permitiam fundamentalmente a continuidade da expansão dos colonatos. Negou-se, e as negociações estancaram sem chegar a lugar algum.
Enquanto isso, Arafat e os palestinianos do exterior foram paralelamente a Oslo, ganharam o controlo e Haider Abdel-Shafi opôs-se de forma tão contundente que nem sequer se apresentou à dramática cerimónia sem sentido, onde Clinton sorria enquanto Arafat e Rabin apertavam as mãos. Abdel-Shafi não se apresentou porque se deu conta de que era uma traição absoluta. Mas baseava-se em princípios e, portanto, não poderia chegar a nenhuma parte, a menos que conseguisse um importante apoio da União Europeia, dos Estados do Golfo e em última instância dos EUA.
O que acha que realmente está em jogo na Síria neste momento e o que significa para a região em geral?
A Síria está a suicidar-se. É uma história de terror e cada vez está pior. Não há uma saída no horizonte. O que provavelmente acontecerá, se continuar assim, é que a Síria será dividida em três regiões: uma região curda – que já está a formar-se – que poderia separar-se e unir-se de alguma maneira ao semi-autónomo Curdistão iraquiano, talvez com algum tipo de acordo com a Turquia.
O resto do país se dividiria entre uma região dominada pelo regime de Assad – um regime brutal, horrível – e outra secção dominada pelas diversas milícias, que vão desde o extremamente nocivo e violento até ao secular e democrático. Se olharmos o que saiu no New York Times, há uma citação de um funcionário israelita que expressa essencialmente a sua alegria de ver os árabes massacrando-se uns aos outros.
Sim, eu li.
Para os Estados Unidos, assim está bom, não querem outro tipo de saída. Se os EUA e Israel quisessem ajudar os rebeldes – não o fazem – poderiam fazê-lo, inclusive, sem intervenção militar. Por exemplo, com Israel mobilizando forças nos Montes Golã (claro, são as montanhas do Golã da Síria, mas por agora o mundo, mais ou menos, tolera ou aceita a ocupação ilegal de Israel). Se fizessem isso, obrigariam Assad a mover forças até ao sul, o que aliviaria a pressão sobre os rebeldes. Mas não há nenhum indício sequer disso. Mesmo assim, não estão a dar ajuda humanitária à grande quantidade de refugiados que sofrem, não estão a fazer nenhuma das coisas simples que poderiam fazer.
Tudo isso sugere que tanto Israel como os EUA preferem exatamente o que está a acontecer, tal como informava o NYT que mencionámos. Enquanto isso, Israel pode celebrar, a sua condição do que chamam de “cidade na selva”. Houve um interessante artigo do editor do Haaretz, Aluf Benn, que escreveu sobre como os israelitas vão à praia, desfrutam e congratulam-se de serem uma “cidade na selva”, enquanto as bestas selvagens de fora se desgarram entre si. E, claro, Israel, sob essa imagem, não está a fazer nada, exceto defender-se. Eles gostam dessa imagem e os EUA tampouco parecem muito descontentes com ela. O resto é conversa.
Assim, podemos falar de um ataque dos EUA, você acredita que ocorra?
Um bombardeamento?
Sim.
É uma espécie de debate interessante nos Estados Unidos. A ultra-direita, os extremistas da direita, que são uma espécie de espectro internacional, opõem-se, ainda que não seja pelas razões que me agradariam. Opõem-se porque pensam: “por que se dedicar a resolver os problemas dos outros e perder os nossos próprios recursos?” Estão literalmente a perguntar: “quem nos vai defender quando nos atacarem, se nós mesmos estamos dedicados a ajudar outros países, no estrangeiro?” Essa é a ultra-direita. Se nos fixamos na direita “moderada”, gente como, por exemplo, David Brooks, do New York Times, considerado um comentarista intelectual de direita, o seu ponto de vista é de que o esforço dos EUA em retirar as suas forças da região não está a ter um “efeito moderador”. Segundo Brooks, quando as forças norte-americanas estão na região, isso tem um efeito moderador, melhora a situação, como se pode ver no Iraque, por exemplo. Mas se vamos retirar as nossas forças, então já não somos capazes de moderar e melhorar a situação.
Essa é a visão normal da direita intelectual na corrente principal, os democratas liberais e outros. De modo que há um monte de indagações sobre como “devemos exercer a nossa ‘responsabilidade de proteger’”. Bom, basta dar uma olhada nos registos históricos dos EUA sobre a ‘responsabilidade de proteger’. O facto, inclusive, de dizer tais palavras revela algo de, certamente, insólito nos EUA e, de facto, na cultura moral e intelectual do Ocidente.
Isso é, à parte do facto em si, uma grave violação do direito internacional. A última linha de Obama é que ele não estabeleceu uma “linha vermelha”, mas que o mundo a estabeleceu, por meio das suas convenções sobre a guerra química. Bom, na verdade o mundo tem um tratado, que Israel não assinou e que os EUA descuidam totalmente – por exemplo, quando apoiaram o uso, realmente horrível, de armas químicas por Saddam Hussein. Hoje, isso é utilizado para denunciar Saddam Hussein, ignorando o facto de que não só se tolerava, mas, basicamente, havia o apoio do governo de Reagan. E, claro, a convenção não tem mecanismos de aplicação de sanções.
Tampouco existe o que se denomina ‘responsabilidade de proteger’, isso é uma fraude promovida na cultura intelectual do Ocidente. Há um conceito, na verdade dois: um aprovado pela Assembleia Geral da ONU, que se refere à ‘responsabilidade de proteger’, mas que não oferece nenhuma autorização a qualquer tipo de intervenção, exceto nas condições da Carta das Nações Unidas. Outra versão, que se aprovou só por parte do Ocidente, os EUA e os seus aliados, que é unilateral e diz que tal responsabilidade permite a “intervenção militar das organizações regionais na região da sua autoridade, sem a autorização do Conselho de Segurança”.
Pois bem, traduzindo, isso significa que se proporciona a autorização aos EUA e à NATO de utilizarem a violência aonde quiserem, sem autorização do Conselho de Segurança. Isso é o que se chama ‘responsabilidade de proteger’ no discurso ocidental. Se não fosse tão trágico, seria ridículo.
Frank Barat é coordenador do Tribunal Russell sobre a Palestina. O seu livro “Gaza in Crisis: Reflections on Israel’s War Against the Palestinians”, com Noam Chomsky e Ilan Pappe, já está disponível. A edição francesa do livro, publicada em 2013, conta com uma extensa entrevista com Stephane Hessel.
Entrevista originalmente publicada no portal Ceasefire. Tradução para espanhol de Rebelióne para português de Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.
“Todos por um e um por todos” deve ser o grito de guerra que o Ocidente dará para a guerra contra o regime sírio de Assad
Robert Fisk
Se Barack Obama decidir atacar o regime sírio, terá conseguido – pela primeira vez na história – pôr os EUA como aliados da al-Qaeda.
Que aliança! Não eram os Três Mosqueteiros que gritavam “um por todos, todos por um” cada vez que saíam procurando briga? Os estadistas ocidentais deveriam repetir o mote, se – ou quando – saírem para atacar Bashar al-Assad.
Os homens que destruíram tantos milhares no 11 de setembro, estarão a lutar ombro a ombro com a mesma nação cujos inocentes eles mataram há quase exatamente 12 anos. Que grande feito para o currículo de Obama, Cameron, Hollande e o resto dessas miniaturas de senhores da guerra!
Claro que nada disso se tornará material de propaganda para o Pentágono nem para a Casa Branca – nem, imagino, para a al-Qaeda! – embora todos esses só pensem em destruir Bashar. A Frente Nusra, também, um dos ramos da al-Qaeda. Mas a coisa levanta algumas possibilidades interessantes.
Talvez os norte-americanos devam pedir ajuda aos serviços de informações da al-Qaeda. Afinal, os rapazes da al-Qaeda são os únicos que têm “botas no terreno” por lá. E se há coisa que os norte-americanos não querem é pôr o próprio pé ali. E, quem sabe, a al-Qaeda poderá sugerir alguns alvos ao país que costuma dizer que os apoiantes da al-Qaeda, mais do que os sírios, são os bandidos mais procurados do mundo.
Haverá algumas ironias, claro. Enquanto os norte-americanos dronam a al-Qaeda até o osso no Iémen e no Paquistão – dronada, claro, com vários civis, como sempre – os mesmos norte-americanos, com a ajuda dos senhores Cameron, Hollande e outros políticos-generalecos, estarão a ajudá-los na Síria, matando inimigos da al-Qaeda. Porque você pode apostar o seu último dólar que o único alvo que os americanos não atacarão será a al-Qaeda ou a Frente al-Nusra.
E nosso Primeiro-Ministro aplaudirá o que quer que os norte-americanos façam… o que fará dele, também, mais um aliado da al-Qaeda… porque com certeza já esqueceu os ataques da al-Qaeda em Londres. É possível – porque os governantes modernos já não têm memória institucional – que Cameron tenha esquecido completamente o quanto são similares os sentimentos que ele próprio e Obama manifestam e os manifestados por Bush e Blair há uma década: as mesmas certezas, enunciadas com a mesma autoconfiança, mas sem qualquer prova que lhes dê credibilidade.
No Iraque, fomos à guerra movidos por mentiras distribuídas por bandidos e mentirosos conhecidos. Dessa vez, é guerra movida a YouTube. Não significa que as imagens terríveis de civis intoxicados e mortos por gás sejam falsas. Significa que todas as provas que provem coisa diferente do que se disse daquelas imagens terão de ser suprimidas.
Por exemplo, ninguém jamais se interessará pelas repetidas notícias que se lêem em Beirute, de que três membros do Hezbollah – que lutavam ao lado do Exército Sírio em Damasco – foram ao que parece atingidos pelo mesmo gás, no mesmo dia, ao que parece, em túneis. Agora, estão em tratamento num hospital em Beirute. Quer dizer então que, se o governo sírio usou gás… como é possível que tenha atingido homens do Hezbollah? O gás escapou-lhes pela culatra?
E já que estamos falando de memória institucional, levante a mão qualquer dos nossos estadistas, se souber dizer o que aconteceu da última vez que os norte-americanos cruzaram armas com o exército sírio. Aposto que nenhum deles sabe. Bem… Aconteceu no Líbano, quando a Força Aérea dos EUA resolveu bombardear mísseis sírios no Vale do Bekaa, dia 4/12/1983. Lembro perfeitamente, porque eu estava aqui no Líbano. Um bombardeiro A-6 de combate dos EUA foi atingido por um míssil Strela, sírio – fabricado na Rússia, naturalmente – e espatifou-se no vale do Bekaa. O piloto, Mark Lange, morreu; o co-piloto, Robert Goodman, foi preso e metido numa cadeia em Damasco. Jesse Jackson teve de ir à Síria, para levá-lo para casa, depois de quase um mês, voando numa nuvem de clichês sobre “pôr fim ao ciclo de violência”. Outro avião dos EUA – dessa vez um A-7 – também foi derrubado por fogo sírio, mas o piloto conseguiu ejetar-se no Mediterrâneo, de onde foi “pescado” por pescadores libaneses. O avião foi destruído.
Sim, sim, dizem-nos que será um ataque rápido contra a Síria, um ou dois dias, ir e vir. É o que Obama deseja supor. Mas… E o Irão? E o Hezbollah? Para mim – se Obama insistir e for – desta vez será ir e fugir correndo.
Artigo publicado no Independent a 27/8/2013. Tradução de Vila Vudu para a redecastorphoto
Carta do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, ao presidente dos EUA, Barack Obama, sobre a intervenção militar na Síria
12/09/2013
Adolfo Pérez Esquivel
A situação na Síria é preocupante e uma vez mais os EUA, instituindo-se o vigia do mundo, pretende invadir a Síria em nome da “Liberdade” e dos “direitos humanos”.
Seu antecessor, George W. Bush, em sua loucura messiânica, soube instrumentalizar o fundamentalismo religioso para levar a cabo as guerras no Afeganistão e Iraque. Quando declarava que conversava com Deus, e Deus lhe dizia que tinha que atacar o Iraque, o fazia porque era vontade de Deus levar a “liberdade” ao mundo.
Você tem falado, por causa dos 50 anos da morte do Reverendo Luther King, também Prêmio Nobel da Paz, da necessidade de completar o “Sonho” da mesa compartilhada, de quem foi a mais significativa expressão de luta pelos direitos civis contra o racismo na primeira democracia escravista do mundo. Luther King foi um homem que deu sua vida pela vida, e por isso é um mártir do nosso tempo. Mataram-no depois da Marcha por Washington porque ameaçava com desobediência civil a cumplicidade com a guerra imperialista contra o povo de Vietnã. Realmente acredita que invadir militarmente a outro povo é contribuir com esse sonho?
Armar rebeldes para depois autorizar a intervenção da OTAN, não é algo novo por parte de seu país e seus aliados. Tampouco é novo que os EUA pretendam invadir países acusando-os de posse de armas de destruição em massa, o que no caso do Iraque não deu certo. Seu país apoiou o regime de Saddam Hussein, que utilizou armas químicas para aniquilar a população curda e contra a Revolução Iraniana, e não fez nada para sancioná-lo porque nesse momento eram aliados. Contudo, agora pretendem invadir a Síria sem sequer saber os resultados das investigações que a ONU está fazendo com autorização do mesmo governo sírio. Certamente que o uso das armas químicas é imoral e condenável, porém seu governo não tem autoridade moral alguma para justificar uma intervenção
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, afirmou que um ataque militar na Síria poderia agravar o conflito.
Meu país, a Argentina, que está presidindo o Conselho de Segurança da ONU, tornou pública sua posição contrária à intervenção militar estrangeira na República da Síria negando-se a ser “cúmplice de novas mortes”.
O Papa Francisco também fez um chamado para globalizar o pedido de paz e decretou uma jornada de jejum e oração contra a guerra para o dia 7 de setembro, à qual aderimos.
Até seu histórico aliado, a Inglaterra, se negou (ao menos no momento) a participar da invasão.
Seu país está transformando a “Primavera Árabe” no inferno da OTAN, provocando guerras no Oriente Médio e desencadeando a rapina das corporações internacionais. A invasão que pretende contra a Síria levará a mais violência e mais mortes, assim como a desestabilização do país e da região. Com qual objetivo? Um lúcido analista, Roberto Fisk, está certo de que o objetivo é o Irã e postergar a concretização do Estado palestino; não é a indignação com as mortes de milhares de jovens sírios o que os motiva a intervir militarmente. E justamente quando o Irã conseguiu um governo moderado, onde se poderia colaborar para conseguir um cenário de negociação pacífica para os conflitos existentes. Essa política será suicida por sua parte e de seu país.
A Síria necessita de uma solução política, não militar. A comunidade internacional deve dar seu apoio às organizações sociais que buscam a paz. O povo sírio, como qualquer outro, tem direito a sua autodeterminação e a definir seu próprio processo democrático, e devemos ajudar naquilo que nos solicitarem.
Obama, seu país não tem autoridade moral nem legitimidade para invadir a Síria nem nenhum outro país. Muito menos depois de ter assassinado 220 mil pessoas no Japão lançando bombas de destruição em massa.
Nenhum congressista do parlamento dos Estados Unidos pode legitimar o que é ilegítimo, nem legalizar o que é ilegal. Em especial levando em conta o que disse há alguns dias o ex-presidente estadunidense James Carter: “os EUA não têm uma democracia que funcione”.
As escutas ilegais que seu governo realizou ao povo estadunidense não parecem ser de todo eficientes, porque segundo uma pesquisa da Reuters, 60% deles se opõem à invasão. Por isso te pergunto, Obama: A quem obedeces?
Seu governo se converteu em um perigo para o equilíbrio internacional e para o próprio povo estadunidense. Os EUA se tornou um país que não pode deixar de exportar a morte para manter sua economia e poderio. Não deixaremos de tentar impedi-lo.
Estive no Iraque depois dos bombardeios que os EUA realizaram na década de 1990, antes da invasão que derrubou Saddam Hussein. Vi um refúgio cheio de crianças e mulheres assassinados por mísseis teleguiados. “Danos colaterais”, os chamam vocês.
Os povos estão dizendo BASTA às guerras. A humanidade reclama a paz e o direito de viver em liberdade. Os povos querem transformar as armas em ferramentas agrícolas, e o caminho para consegui-lo é “DESARMAR AS CONSCIÊNCIAS ARMADAS”.
Obama, nunca ouviste que sempre colhemos os frutos do que semeamos. Qualquer ser humano saberia semear paz e humanidade, principalmente um Prêmio Nobel da Paz. Espero que não acabe convertendo o “sonho de fraternidade” que suspirava Luther King em um pesadelo para os povos e a humanidade.
Palmira, tuas palmeiras há muito não balançam ao vento!
O vento só traz até ti muito pó, cinzas, farelos
Que sobram das ambições de todos os tempos.
Culpada por demorar-te no meio do caminho.
Como tua irmã, anciã entre as localidades;
Lar dos fundadores da Acádia,
Essa coroa de fogo da deusa do amor e da guerra.
Alepo, algo mais nefasto que o mais nefasto
Dos terremotos perscruta teus filhos!
Sonda tuas antigas ágoras,
que viraram catedrais
que agora são mesquitas!
Em vão perguntas “por quem definho?”
Como tua vizinha Ebla, rocha branca,
Berço de onde partimos, nosso ninho!
Nem 5 milênios tanto dano causou à tua ancestral alegria.
Ser ruína de ruínas é teu destino?
Tua terra é a desejada de todas as gentes:
Persas, macedônios, romanos, árabes,
Bizantinos, cruzados, mongóis, mamelucos,
Turcos, franceses, ingleses,
Russos, estadunidenses!
Foi o que os ventos trouxeram a teus pés: triste agonia.
E sobre tua cabeça, pobre Síria: louco desatino!
Lares divididos, subdivididos,
Todos somos teus descendentes.
Quebra-cabeças de venais interesses!
Joias deste oriente, quem sentirá teu martírio?