“A desgraça cria, em certas almas, um vasto deserto, onde a voz de Deus repercute.” in “A Comédia Humana” de Balzac

Fragmentos

Estou lendo A Comédia Humana de Balzac vol.2 (tradução de Vidal de Oliveira) e vou publicar aqui, conforme vou lendo, as frases de seus personagens ou dos narradores que mais me emocionaram levando-me às lágrimas ou me fizeram refletir sobre a condição humana.

Em Uma estreia na vida:

“Não existe, ou antes, existe raramente, um criminoso que seja completamente criminoso. Com mais forte razão, dificilmente se encontrará uma desonestidade maciça. Podem-se fazer contas de chegar com o patrão, ou puxar mais brasa para a própria sardinha; mas, embora constituindo um capital por meios mais ou menos lícitos, poucos homens há que não se permitam algumas boas ações. Quanto mais não fosse por curiosidade, por amo-próprio, como contraste, por acaso, todo homem teve esse momento de generosidade; ele o classifica como um erro, não recomeça; mas sacrifica ao bem, como o mais casmurro sacrifica às Graças, uma ou duas vezes na vida.”

Essa análise foi feita em relação ao personagem Moreau um administrador corrupto que enriquece desviando recursos da propriedade do Conde de Sérisy, mas surpreendentemente ajuda uma antiga amiga muito pobre com mantimentos, o aluguel e até com a educação e colocação profissional de seu filho Oscar, o estreante na vida ao qual o título se refere.

“A corrupção veio com a fortuna, como sempre” pensamento de Moreau.

“Esse rapaz é só vaidade _ disse o conde depois de ter, em vão esperado as desculpas de Oscar. _ Um orgulhoso se humilha, pois há grandeza em certas humilhações. Receio muito que jamais possam fazer alguma coisa desse rapaz.”

Para se exibir, Oscar, após revelar a viajantes, numa carruagem, as traições da esposa do conde para o próprio conde sem o reconhecer, se recusa a pedir-lhe desculpas por sua indiscrição e perde qualquer chance de obter a proteção de um nobre para sua almejada ascensão social.

Esse trecho, para mim, é genial:

“Além das recomendações da manhã, Oscar sentia espontaneamente certa aversão por Jorge; sentia-se humilhado ante aquela testemunha da cena do salão de Presles, quando Moreau o atirara aos pés do Conde de Sérisy. A ordem moral tem suas leis, que são implacáveis, e sempre se é castigado por infringi-las. Há sobretudo uma, à qual o próprio animal obedece instintivamente, e sempre. É a que nos ordena fugir de qualquer pessoa que nos foi nociva uma primeira vez, com ou sem intenção, voluntária ou involuntariamente. A criatura de quem recebemos dano ou desprazer sempre nos será funesta. Qualquer que seja a sua categoria social, seja qual for o grau de afeição que nos ligue, é forçoso romper com ela, pois nos é enviada pelo nosso gênio mau. Embora o sentimento cristão se oponha a esse procedimento, a obediência  a essa lei terrível é essencialmente social e conservadora. A filha de Jacques II, que se sentou no trono do pai, deve ter-lhe feito mais de um ferimento antes da usurpação. Judas seguramente deve ter dado algum golpe funesto a Jesus antes de traí-lo. Há em nós uma vista interior, o olho da alma, que pressente as catástrofes, e a repugnância que sentimos por esse ser fatal é o resultado dessa previsão; se a religião nos ordena vencê-la, fica-nos a desconfiança, cuja voz deve ser incessantemente ouvida. Podia Oscar aos vinte anos ter tanta sagacidade?”

Em Alberto Savarus:

“Alcançar o alvo expirando como o corredor antigo! Ver a fortuna e a morte chegarem juntas aos umbrais de nossa porta! Obtermos aquela que amamos no momento em que o amor se extingue! Não temos mais a faculdade de gozar, quando se conquistou o direito de viver feliz!” Alberto em carta a um amigo se refere ao fato de ter se apaixonado pela princesa Francesca Argaiolo impedida, por ser casada, de retribuir seu amor.

“A desgraça cria, em certas almas, um vasto deserto, onde a voz de Deus repercute.” Alberto após ter a vida arruinada por uma mocinha que se apaixonou por ele.

Honore-de-Balzac

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