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Antífona
Cruz e Sousa
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas …
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes…
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…
Cruz e Sousa, Mallarmé e Stefan George
Para Roger Bastide, Cruz e Sousa, Mallarmé e Stefan George formam a tríade suprema do movimento simbolista universal. Bastide, porém, dá visível preeminência nessa tríade ao poeta dos Últimos Sonetos. Os críticos Ventura Garcia Caldeiron, Juan Más y Pi e Júlio Noé afirmam que Cruz e Sousa é um dos maiores poetas do mundo em qualquer tempo e lugar.
Obras:
Broquéis
É uma procura da expressão definitiva e do definitivo sentimento do mundo, que mais tarde atingiria o poeta. É a dor de ser negro que se exprime de maneira audaciosa e renovadora forma de expressão. Em cada poema vê-se as arrancadas do poeta que busca ultrapassar as formas parnasianas, através de formas novas, ritmos e símbolos essenciais. Forma e conteúdo são um todo que exprimem ideações, desejos anelos que estavam muito além da dor de ser negro.
Faróis
Últimos sonetos

Anima mea
Cruz e Sousa
Ó minh’alma, ó minh’alma, ó meu Abrigo,
meu sol e minha sombra peregrina,
luz imortal que os mudos ilumina
do velho Sonho, meu fiel Amigo;
Estrada ideal de São Tiago, antigo
templo da minha Fé, casta e divina,
de onde é que vem toda esta mágoa fina
que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?
De onde é que vem tanta esperança vaga,
de onde vem tanto anseio que me alaga,
tanta diluída e sempiterna mágoa?
Ah! de onde vem toda essa estranha essência
de tanta misteriosa Transcendência,
que estes olhos me deixam rasos de água?!
Litania dos pobres
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
As sombras das sombras mortas,
Cegos, a tatear nas portas.
Procurando o céu, aflitos
E varando o céu de gritos.
Faróis a noite apagados
Por ventos desesperados.
Inúteis, cansados braços
Pedindo amor aos Espaços.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Figuras que o Santo Ofício
Condena a feroz suplício.
Arcas soltas ao nevoento
Dilúvio do Esquecimento.
Perdidas na correnteza
Das culpas da Natureza.
Ó pobres! Soluços feitos
Dos pecados imperfeitos!
Arrancadas amarguras
Do fundo das sepulturas.
Imagens dos deletérios,
Imponderáveis mistérios.
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
Fantasmas vãos, sibilinos
Da caverna dos Destinos!
O pobres! o vosso bando
É tremendo, é formidando!
Ele já marcha crescendo,
O vosso bando tremendo…
Ele marcha por colinas,
Por montes e por campinas.
Nos areiais e nas serras
Em hostes como as de guerras.
Cerradas legiões estranhas
A subir, descer montanhas.
Como avalanches terríveis
Enchendo plagas incríveis.
Atravessa já os mares,
Com aspectos singulares.
Perde-se além nas distâncias
A caravana das ânsias.
Perde-se além na poeira,
Das Esferas na cegueira.
Vai enchendo o estranho mundo
Com o seu soluçar profundo.
Como torres formidandas
De torturas miserandas.
E de tal forma no imenso
Mundo ele se torna denso.
E de tal forma se arrasta
Por toda a região mais vasta.
E de tal forma um encanto
Secreto vos veste tanto.
E de tal forma já cresce
O bando, que em vós parece.
Ó Pobres de ocultas chagas
Lá das mais longínquas plagas!
Parece que em vós há sonho
E o vosso bando é risonho.
Que através das rotas vestes
Trazeis delícias celestes.
Que as vossas bocas, de um vinho
Prelibam todo o carinho…
Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.
Que as vossas almas trevosas
Vêm cheias de odor das rosas.
De torpores, d’indolências
E graças e quint’essências.
Que já livres de martírios
Vêm festonadas de lírios.
Vem nimbadas de magia,
De morna melancolia!
Que essas flageladas almas
Reverdecem como palmas.
Balanceadas no letargo
Dos sopros que vem do largo…
Radiantes d’ilusionismos,
Segredos, orientalismos.
Que como em águas de lagos
Bóiam nelas cisnes vagos…
Que essas cabeças errantes
Trazem louros verdejantes.
E a languidez fugitiva
De alguma esperança viva.
Que trazeis magos aspeitos
E o vosso bando é de eleitos.
Que vestes a pompa ardente

Do velho Sonho dolente.
Que por entre os estertores
Sois uns belos sonhadores.