Vinícius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim o desejo
de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a magoa
de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa
como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser
tudo estaria terminado.
X
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma
gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado.
Eu deixarei… tu irás e encostarás
a tua face em outra face.
X
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face
da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa
essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros
nos portos silenciosos.
X
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.