Luciane Reciere
Era de se esperar. Era sabido. E compreensível que nada ali tivesse pé nem cabeça. Quebra-cabeça faltando peças, livro faltando páginas. Dia sem graça e escuro feito noite velha, e de fato não era mais dia, era noite que tinha daquela vocação de viver muito. Das flores se soube mais tarde que eram sempre-vivas, com aquele arzinho seco de coisa que morreu e ninguém sepultou. Afastaram os móveis e espalharam cadeiras. Esperava que alguém dançasse? Encostaram as cadeiras nas paredes e passaram a noite naquele zum-zum abafado de diálogo ensaiado. Não se serviu nada, nem água, nem licor. A roupa era a de sempre, sem cor nem brilho e as mãos sempre frias tateavam o escuro a procurar algum sentido naquele amontoado de gente sem rosto e sem conversa. Subiu as escadas sem olhar onde pisava e deixou um pouco pra trás, mesmo que ninguém quisesse parte daquilo.
