Noite na Taverna

NOITE NA TAVERNA

Álvares de Azevedo

MACÁRIO
Onde me levas?
SATAN
A uma orgia. Vais ler uma página da vida, cheia de sangue e de vinho—que importa?
MACÁRIO
Eu vejo-os. É uma sala fumacenta. A roda da mesa estão sentados cinco homens ébrios. Os mais revolvem-se no chão. Dormem ali mulheres desgrenhadas, umas lívidas, outras vermelhas Que noite!
How now, Horatio? you tremble, and look pale. Is not this something more than fantasy? What think you on’s? Hamlet.

Ato I
JOB STERN
UMA NOITE DO SÉCULO
Bebamos! nem um canto de saudade! Morrem na embriaguez da vida as cores! Que importam sonhos, ilusões desfeitas? Fenecem como as flores!
José Bonifácio
— Silêncio! moços!! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia??
—Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold—o loiro—cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Tieck, que musica mais bela que o alarido da saturnal? Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das tachas?
—És um louco, Bertram! não e a lua que lá vai macilenta: e o relâmpago que passe e ri de escárnio as agonies do povo que morre, aos soluços que seguem as mortalhas do cólera!
—O cólera! e que importa? Não há por ora vida bastante nas veias do homem? não borbulha a febre ainda as ondas do vinho? não reluz em todo o seu fogo a lâmpada da vida na lanterna do crânio?
—Vinho! vinho! Não vês que as taças estão vazias bebemos o vácuo, como um sonâmbulo?
—E o Fichtismo na embriguez! Espiritualista, bebe a imaterialidade da embriaguez!

—Oh! vazio meu copo esta vazio! Olá taverneira, não vês que as garrafas estão esgotadas? Não sabes, desgraçada, que os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem beijos enquanto o fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa de lava?

Encontre aqui a obra completa: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000023.pdf

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Duplo Carimbo

Quando insisto que preciso

Ser as roupas que te envolvem,

Ninguém entende o motivo.

À tua pele estaria colada,

Te revestindo, te protegendo

Do frio, do sol, da chuva,

De olhares que alhures

Pudessem perturbar teu pudor

E enciumar esta distante

Imaginação que te perscruta.

Ao me perfumar, teus doces bálsamos,

Curariam a ânsia que me domina.

O espectro de tua presença

Se impregnaria em meus

Tecidos me acompanhando.

Tuas formas se desenhariam em mim,

Grudadas ao entrelaçamento de meus fios,

Guardando a memória residual de tua estada.

Também meus botões, fechos,

Costuras marcariam tua pele.

Assim, viveríamos numa troca

eterna: ora te sigo

Ora  me segues,

Como duplo carimbo.

Bizarro

Dói tanto em mim a dor da tua solidão,

Dói tanto, que se, para ti,

Tomasses outra pessoa qualquer,

Através dela, sentiria que estamos

juntos numa perfeita comunhão.

 

Como gêmeos que habitam o mesmo corpo

Ou entidade que incorpora alguém,

através dela, moveria meu ser

E sentiria que tu me possuis também.

 

 

Ao sentir essa mulher,

Porque serei uma, se te convêm,

Formaríamos uma fraternidade,

Uma santíssima trindade

tão sagrada, que todos teriam de dizer amém.

Até mesmo tu, que não acreditas em ninguém…

Requerer

 

Como pedir a uma gota de chuva que se suspenda no ar?

Como pedir, em pleno voo, às asas dos pássaros que parem de bater?

Como pedir ao vento que pare de soprar?

Ou a um rio que pare de correr;

 

Como solicitar a um tigre faminto que não devore sua presa?

Ou requerer a um raio que interrompa seu curso,

Para não chamuscar uma árvore indefesa?

Ou pedir ao sol que pare de brilhar?

Como? Como? Como?

Só as rochas podem pedir uma coisa assim…

Se algo se consegue controlar prudentemente,

É porque seu querer não é tão ardente…