O agro é ogro

No noticiário, vemos rotineiramente os comentaristas do setor econômico explicando os impactos da pandemia na economia em geral, mas, como a balança comercial brasileira depende da exportação de comódites, o destaque é dado para as consequências da pandemia no agronegócio.

Até agora, no Brasil, não  consegui assistir a nenhuma reportagem analisando o contrário: como o agronegócio está propiciando o surgimento desta e das próximas pandemias.

Como é meu hábito, quando a imprensa comercial/oficial não está falando, nem mostrando nada sobre um determinado assunto, procuro prestar mais atenção justamente nesses temas convenientemente “esquecidos”. Eis aqui a resenha de um livro visionário sobre esse tema, publicada no Google Books:

“Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência”, de Rob Wallace, defende que os novos vírus que há alguns anos amedrontam o planeta com epidemias e pandemias são, sim, uma criação dos seres humanos. Mas, não, não estamos falando das teorias conspiratórias difundidas pelos robôs de Donald Trump ou Jair Bolsonaro, que responsabilizam laboratórios chineses especializados em guerra biológica pela origem do novo coronavírus. Para o autor, esses micro-organismos são resultado da maneira como passamos a criar animais para consumo nos últimos quarenta anos. Quem já teve a oportunidade de ir a uma granja ou a uma fazenda de porcos sabe do que estamos falando: milhares (milhões) de animais confinados, muitas vezes impedidos de dormir e comendo 24 horas por dia para engordar — e ir para o abate — cada vez mais rápido. Para quê? Para aumentar os lucros das empresas, claro, que se transformaram em grandes conglomerados. O número de animais criados para alimentação cresce quase duas vezes mais rápido que a população humana. Aves, vacas, porcos separados pelo produto a ser extraído (carne, ovos, leite), em estabelecimentos onde compartilham raça, idade e sistema biológico. E isso, para a natureza, cuja lei mais importante é o equilíbrio na diversidade, significa uma praga gigante. Uma atração inevitável para outros animais, um banquete para micro-organismos. Um experimento permanente de mutações e contágios extremos. Rob Wallace vem escrevendo sobre isso há quase vinte anos. Lançado pela primeira vez em 2015, Pandemia e agronegócio, que agora chega ao Brasil graças à parceria da Elefante com Igra Kniga, reúne artigos do autor publicados desde 2007. Nos textos, o biólogo alerta sobre as origens da Sars, da gripe aviária e da gripe suína, alertando que, se os seres humanos não modificassem a maneira como criam animais para abate, teriam que lidar, no curto prazo, com novas formas de vírus cada vez mais mortais. E aqui estamos. “Os seres humanos construíram ambientes físicos e sociais, em terra e no mar, que alteraram radicalmente os caminhos pelos quais os patógenos evoluem e se dispersam. Os patógenos, no entanto, não são meros figurantes, golpeados pelas marés da história humana. Eles também agem por vontade própria, com o perdão do antropomorfismo. Demonstram agência”, escreve Rob Wallace na introdução de Pandemia e agronegócio. Além do conteúdo integral da versão estadunidense, a edição brasileira trará os textos mais recentes do autor e de seus colaboradores sobre o atual surto de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) que, depois de aparecer na província de Hubei, na China, se espalhou pelo planeta, colocou boa parte do mundo em quarentena e espalhou incertezas sobre a maneira como continuaremos vivendo e habitando a Terra. Os vírus surgidos em território chinês, aliás, recebem imensa atenção de Rob Wallace no livro. Mas, longe de engrossar o coro da xenofobia que costuma vigorar nesse tipo de discussões, o autor vai às raízes do problema. “Desde a década de 1970, a produção pecuária intensiva se espalhou pelo planeta a partir de suas origens nos Estados Unidos. Nosso mundo está cercado por cidades de monoprodução de milhões de porcos e aves apinhados lado a lado, em uma ecologia quase perfeita para a evolução de várias cepas virulentas de influenza.”

Resenha publicada no Google Books.

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Livro de Carolina Maria de Jesus é resgatado em vestibulares 40 anos após morte de escritora

‘Quarto de despejo – Diário de uma favelada’ está nas listas obrigatórias de exames de duas universidades. Professores de literatura valorizam inclusão e possibilidade de reflexões.

Por G1 Campinas e região
07/05/2017 08h09 Atualizado 07/05/2017 08h09

Livro “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus, está entre as novidades dos próximos vestibulares da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No ano em que a morte da escritora completa 40 anos, a obra resgatada está indisponível em algumas livrarias, mas a editora responsável pela impressão garante reposição e, à espera de alta na demanda, considera hipótese de elevar tiragem.
O diário foi anunciado na semana passada como uma das três alterações na lista da Unicamp para o vestibular 2019. Os outros dois livros inseridos na lista obrigatória de leituras são a poesia “A teus pés”, de Ana Cristina Cesar; e o romance “História do Cerco de Lisboa”, de José Saramago.
Já a UFRGS confirmou , em março, a inclusão do livro na edição 2018 do processo seletivo. A universidade renova anualmente a relação de obras com a substituição de quatro títulos.

Inovações
Carolina nasceu em Sacramento (MG), em 1914, e foi morar na capital paulista em 1947, época em que surgiram as primeiras favelas na cidade. Uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil, ela reúne em “Quarto de Despejo” relatos de parte das experiências que viveu e observou na comunidade do Canindé, com três filhos. O lançamento ocorreu na década de 1960.

Para o professor de literatura Laudemir Guedes Fragoso, a inclusão da história da catadora de papel e sucatas nos processos seletivos representa inovações em abordagens de conteúdo e forma.
“Ela foi uma voz dissonante do Brasil marginalizado, é interessante se fazer paralelo com momento atual do país”, frisou o docente ao mencionar que vê tendência na abordagem de temas sociais nas provas, incluindo literatura indígena. Ele também lembrou a relevância na tratativa de um diário.
“É um gênero antigo, do século XV, e chama atenção a busca por novas formas literárias dentro da prova”, falou o professor do Colégio Objetivo ao lembrar da inclusão de “Minha vida de menina” na edição 2018 da Fuvest. A instituição já definiu a lista para o vestibular 2019 da USP e da Santa Casa.
Conexões
O professor de literatura Octávio da Matta, do Anglo, manteve o tom e valorizou a flexibilização dos vestibulares, que passaram a incluir não somente obras clássicas, mas também livros que retratam a história recente do país e as questões que seguem em debate, incluindo “Quarto de despejo”.
“A Unicamp e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul estão convidando o estudante para uma reflexão. Carolina faz um relato autobiográfico, mas ainda hoje pode ser considerado atemporal por apresentar questionamentos sobre a violência, problema do alcoolismo e violência doméstica, a preocupação em conseguir sustentar os filhos e a revolta por não ter o que comer”, ressalta.

No caso da universidade em Campinas, em especial, o docente valorizou o fato de a mesma lista de livros contemplar a obra da escritora mineira, e “O espelho”, de Machado de Assis. ”

“É um fato gigantesco essa conexão, ele também teve uma origem humilde, foi autodidata. A Carolina aprendeu a ler pegando jornais e revistas e, diferentemente de uma obra do Aluísio Azevedo, apresenta um olhar de dentro dessa sociedade, demonstra sentimento, e não um pensamento de determinismo, instintivo. A versão dela é a mais pura realidade”.

Estoques

A assessoria de imprensa da Editora Ática informou, em nota, que recebeu uma nova reimpressão do livro na segunda quinzena de abril. O desabastecimento, segundo a empresa, ocorreu por causa do “espaço” entre esta etapa e a distribuição. “Em nosso e-commerce o livro já está disponível e ao longo das próximas semanas o livro voltará às livrarias. O livro está em sua décima edição”, diz nota.
Em relação à tiragem de “Quarto de despejo”, a editora mencionou que ela já foi elevada em 20%, em virtude da inclusão na lista da UFRGS. A expectativa é de que outra seja feita quando houver queda do estoque, por causa da colocação da obra entre os assuntos do vestibular da Unicamp.
“Esperamos que haja um aumento na procura pela obra, naturalmente, mas sabemos que obras de literatura não precisam ser necessariamente compradas novas, podem ser emprestadas de bibliotecas, de amigos ou adquiridas de segunda mão em sebos. Por isso, não temos previsão de nova tiragem enquanto tivermos estoque suficiente para atender as demandas”, informa texto.
Rede pública
Em 2013, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) comprou e distribuiu, por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), 29 mil exemplares do livro para escolas públicas com alunos em anos finais do ensino fundamental. De acordo com o governo federal, não há reserva ou destaque de exemplares, nem previsão para novas aquisições do título.

“Por meio do PNBE, são beneficiadas todas as escolas públicas, sem necessidade de adesão. […] Os livros são encaminhados diretamente às escolas para a composição dos acervos das bibliotecas e disponibilização dos exemplares aos alunos, geralmente, por meio de empréstimos e consulta.”

Parabéns aos não aprovados – Literatortura

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Era janeiro de 2010 e lá estava eu dando um feroz F5 na página do listão de uma Universidade Federal para descobrir que… não tinha passado.

Revirei a lista de aprovação mais vezes do que uma pessoa sã faria. Passei o resto da tarde atualizando a página dos resultados como se, em um passe de mágica, meu nome fosse brotar entre todas aquelas pessoas aprovadas.

No final do dia, abri o Facebook para acompanhar a comemoração dos meus amigos. Comemoração que eu não faria parte. Faixa que eu não teria na frente da minha casa. Tinta que não iam passar no meu rosto. Telefonemas dos parentes que eu não iria receber.

“A prova acontece todo ano”, me disseram. Mas eu continuava sentindo que estava atrasada. Cada foto postada de um trote, cada reclamação sobre a comida do Restaurante Universitário, cada amiga apaixonada por algum veterano me faziam sentir uma lesma. Uma atrasada. Sentia que eu estava em débito com o mundo.

O que ninguém me disse naquela época – e que eu fui aprender ao longo do ano em que não passei – foi que não passar na Federal pode ser uma coisa muito boa.

“Boa? eu aqui vendo até a vó do meu amigo criando Facebook para parabenizar ele!”

Acredite: pode ser uma coisa boa. Ao longo do ano que não passei, do ano que me senti em um limbo, sem me identificar como aluna do colégio ou bixo da Universidade, eu aprendi horrores. Não aprendi apenas geografia e química, mas também a ser tolerante com os meus próprios erros. Além de aprender matemática, aprendi a estabelecer prioridades na minha vida. Aprendi história, mas também aprendi que aquela baladinha de sexta feira iria acontecer todos os anos. Aprendi que sou minha maior concorrente. Aprendi que, independente do sonho dos meus pais, quem iria exercer a profissão escolhida seria eu. Aprendi a organizar meu tempo. Aprendi a dormir direito, a comer direito e, finalmente, aprendi a estudar.

No ano que não passei no vestibular, aprendi tanto sobre ser eu que mudei minha opção de curso.

Em 2011, abri o listão e estava lá. Eu era bixo da tão sonhada Universidade Federal. Agradeço até hoje o ano em que eu não passei.

via Parabéns aos não aprovados – Literatortura.