Bares, cafés e clubes, a partir do século XIX, não eram apenas um ambiente para a happy hour. Eles foram o cenário onde questões políticas, filosóficas, movimentos artísticos revolucionários se espalharam. O propósito deste site é o mesmo: criar um espaço virtual para expressão livre de ideais, reflexões e sentimentos, com espírito crítico em relação a nossa Cultura.
observo as linhas da minha mão correndo águas a linha do amor do dinheiro
qual será a linha da loucura
o rio de traços finos falhos tremidos que revelam a mente sã
ensandecida
qual será a linha da loucura na palma da minha vida
qual será a veia herdada vendo a marca infligida
qual será a linha louca que corta o rio da minha mão
da minha mãe por quem fui parida
doze horas em trabalho de partida só pra nascer com o carimbo da mão em linha enlouquecida
qual será essa loucura costurada essa linha desmedida essa palma bordada
eu olho os rios da minha mão e enlouqueço calada
alta ajuda
dizem que são necessários trinta dias para que um novo hábito se torne rotina
dizem que o problema é a gordura que o açúcar refinado na verdade que todo açúcar que as frutas também tudo faz mal
e dizem que yoga e pilates exposições gatos cães pássaros livres e nadar com os golfinhos não
a natureza se desequilibra assim como bambeamos movidos a ansiolíticos e cafeína
até mesmo os que dizem que a meditação os parques as longas caminhadas na praia a água de coco o óleo de macadâmias as escovas elétricas e o chás feitos das ervas tiradas do chão fazem bem
até mesmo os que dizem que todas as religiões que a tolerância o ecumenismo as missas de sétimo dia as velas os filmes nacionais os editais o apoio do governo a importância dos movimentos sociais
até mesmo os que dizem que a indústria o consumo as leis a punição até os que sentem pena
até eles dizem que trinta dias passam mas não habituam a vida em quem de nada faz questão .
Dora
nunca esqueço de Dora de sua paralisia sua cegueira sua oposição transformada em patologia
como os homens amam os códigos que catalogam a loucura feminina
e distribuem sintomas por cima dos hematomas e taças de sangria
em suas camas forradas com mentiras e blocos de papel onde escrevem cárceres onde descrevem leitos onde Dora e eu e todas nós devemos deitar em espera
nunca esqueço do caso de Dora da coragem sufocada por mãos livros por páginas escritas por homens como ele com números que são camisolas à força e que mais cedo ou mais tarde acabamos por vestir
porque em seus blocos camas poltronas em seus estetoscópios eles escutam a rebeldia
porque Dora e eu e todas nós nos fazemos ouvir
duas cadeiras conte para mim sobre como tudo anda difícil e nem a cerveja se paga e nem a escrita se cria me conte
sobre os imprevistos e as curvas fechadas sobre os livros abandonados as exposições vazias de significado
me fale sobre a rotina que esmaga com as palavras que sempre as mesmas se usa
e sobre a cidade cinza os rios espumantes o quilo de sal caro que se come me conte
sobre as temperaturas altas e os corações apáticos sobre as relações de supermercado os produtos políticos
eu quero ouvir sobre as pequenas vidas os pequenos instantes de vida que ainda resistem aí
.
contato
a mente doente tem traços e partes de imagens incompletas - dizem e a gestalt pode ajudar porém todos buscamos a cura rápida os comprimidos os laudos para que sejam validados os momentos piores mais eremíticos
porque todos estamos jogados ao nosso pessoal veredicto
sentamos em poltronas cara a cara com o incógnito e abrimos portas que libertam carcaças serpentes formigas na boca
somos ouvidos e punhos suados trocamos os olhos pela voz embargada
não você não queria você não estaria ali se não fosse esse buraco bem no meio chamativo
não se preenche morte com vida e talvez não exista conteúdo para a mente evacuada
mas tente sentar responder sobre pais divórcios sobre aquele tio que tocou ali onde se partiram as louças
tente juntar as imagens infantilmente
foi aqui aponte onde - nessa boneca loira aqui aqui
segura nas cordas vocais a vontade de correr a tentação carnal de abandonar-se ...
somos ouvidos
com os punhos suados mas nossos punhos escrevem a verdade do mundo a beleza civilizatória
há ainda um pouco que segura o peso você pode dormir e jogar com os pesadelos
mas levante-se deixe os olhos pousarem as pernas vão chacoalhar mas um dia cara a cara com um ser familiar os tendões terão descanso
tudo será outra coisa nada novo mas outra estrutura
uma casa com aldavras vedada aos tios limpa de estilhaços um chão onde esticar a coluna — chorar
e isso será mais do que fora
e isso será o mais próximo da cura
Jarid Arraes
Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid Arraes é escritora, cordelista, poeta e autora dos livros “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras“. Curadora do selo literário Ferina, atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres. Até o momento, tem mais de 60 títulos publicados em Literatura de Cordel.
Estes poemas, publicados na Mulheres que escrevem, foram escolhidos pela escritora, cordelista e poeta, Jarid Arraes, para não nos esquecermos do significado do Setembro Amarelo, mês que marca a campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015 em Brasília. É uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida, do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria. Acreditamos que a escrita e a literatura têm um papel fundamental na conscientização e debate de questões tão importantes como esta. Caso precise de ajuda, não hesite, ligue para a CVV (188) ou procure a ajuda especializada. A saúde mental é um assunto sério e deve ser tratada com respeito e atenção. Agradecemos imensamente à Jarid Arraes por sempre abordar este tema com cuidado e seriedade.
Leia mais poemas, ensaios e entrevistas com a autora aqui: Mulheres que Escrevem entrevista Jarid Arraes "Eu quero que a gente olhe para essa feiura. Isso é sobre nós" medium.com
Três poemas de Jarid Arraes nós choramos, loucas de primeira viagem medium.com
Uma mulher negra escrevendo em busca de casa Resgatando um conti
Eu gostaria de ser um ninho se você fosse um passarinho Eu gostaria de ser um lenço se você fosse um pescoço e estivesse com frio Se você fosse música, eu seria uma orelha Se você fosse água, eu seria um copo Se você fosse a luz, eu seria um olho Se você fosse um pé, eu seria uma meia Se você fosse o mar, eu seria uma praia E se você ainda fosse o mar, eu seria um peixe, e nadaria em você E se você fosse o mar, eu seria sal E se eu fosse sal, você seria alface, um abacate ou, pelo menos, um ovo frito E se você fosse um ovo frito, eu seria um pedaço de pão E se eu fosse um pedaço de pão, você seria manteiga ou geleia Se você fosse geleia, eu seria o pêssego na geleia Se eu fosse um pêssego, você seria uma árvore E se você fosse uma árvore, eu seria sua seiva e correria em seus braços como sangue E se eu fosse sangue, viveria em seu coração.