“Indescrição”

Não sou um cão

cansado de viver,
Não sou a garça,
Não sou a Graça,
Não sou o quer que eu seja
Nem o que quer que seja.
Nem Beatriz nem Tereza
Nem anjo nem capeta
Nem estável ou volúvel
Ou frágil e forte

Ou uma dama de negro,

que anuncia sua morte.
Nem uma das almas
impassíveis  do inferno,
Que não foram más
tampouco boas.
Não sou resoluta ou indecisa
Nem perdulária ou sovina.
Não sou gênio nem lâmpada
Nem despeitada ou símia.
Não sou fresca nem delicada
Nem esforçada, sensível ou sensitiva.
Nem vidente ou visionária.
Não sou doida; falsa, menos ainda.
Nem ninfeta ou senil
Nem menina nem mulher de verdade
Nem pagã nem ateia nem carola.
Meus genes não são maus!
Perfeitos não são também!
Querem-me até
cachorra e homicida?
Deixem-me em paz!
Por que me afligem?
Nada mudará, se me imolarem!
Se fui ao menos
uma dessas coisas,
nada mais sei.
Perdi-me de mim mesma,
Num turbilhão de espelhos deformados;
Numa sobrecarga de tintas e borrões.
Deixem-me viver!
Vivo como aprendiz de ser
primordial e brutalmente alguém….
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Poesia

Até quando tudo será um pedaço de outra coisa?
Até quando velaremos fragmentos?
Cacos, puzzles inacabados e reticências?
Histórias sem meio nem final.
Tudo será sempre só o início
De algo que poderia ter sido?
Uma promessa?
Uma esperança?
O Nada
Ou pior que o nada:
Sugestões de coisas diversas
do que são na verdade.
O improviso de um amador
que se esqueceu como é viver
Quando sentiu que vivia.