Vem e traz a taça, copeiro, derrama e circula esse vinho!
Porque o amor parecia fácil, mas logo veio o descaminho.
A brisa sopra em seu rosto, traz o almíscar dos seus cabelos:
Como sangram os corações, por esse momento tão ínfimo.
Tinge com vinho o teu tapete, se assim disser o velho mago.
Deve entender, o peregrino, as leis e estâncias do caminho.
Na estância do meu bem-amado, como posso encontrar alento?
Ora já bradam os cincerros: a caravana está partindo.
As trevas e as ondas ferozes, o vendaval e o turbilhão!
Que sabe desse nosso estado, quem vê da terra o mar bravio?
Desejos guiaram meus feitos, e meu bom nome foi desfeito!
Como manter esse segredo, se nos saraus já é sabido?
Se ainda queres sua presença, ó Hafiz, não te escondas dele!
Quando lograres encontrá-lo, faz do mundo um desconhecido.
É emblemático que esse poema seja o primeiro do Divã, pois encapsula bem a poética hafiziana, servindo como uma boa introdução ao seu universo. O objeto central do poema são as dificuldades e tribulações do poeta e amante (DE
BRUIJN, 2002, s.p.) no caminho do amor – seja ele profano ou espiritual (DE FOUCHÉCOUR, 2006, p. 85) – e o eu lírico pode ser tanto alguém com dificuldades amorosas, um místico em busca de Deus ou um poeta em busca de
inspiração. Tendo em vista as ambiguidades que Hafiz parece fazer questão de inserir em seus versos, eu diria que as três interpretações são igualmente válidas.
* Nicolas Thiele Voss de Oliveira. Paraíso e embriaguez: tradução comentada de gazéis de Hafiz de Xiraz